segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Frases Do livro “A Desobediência Civil”

“[...] o governo é uma conveniência pela qual os homens conseguem, de bom grado, deixar-se em paz uns aos outros, e, como já se disse, quanto mais conveniente ele for, tanto mais deixará em paz seus governados.”

“Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer a qualquer tempo aquilo que considero de direito.”

“A grande maioria de homens serve ao Estado desse modo, não como homens propriamente, mas como máquinas, com seus corpos.”

“Estamos acostumados a dizer que a massa dos homens é despreparada, mas o progresso é lento porque a minoria não é substancialmente mais sábia ou melhor do que a maioria.”

“Há novecentos e noventa e nove defensores da virtude para cada homem virtuoso.”

“Vim a este mundo não, principalmente, para fazer dele um bom lugar para se viver, mas para viver nele, seja bom ou mau.”

“[...] não importa quão limitado possa parecer o começo: aquilo que é bem feito uma vez está feito para sempre.”

“Num governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também uma prisão.”

“Deves viver contigo e depender só de ti, sempre arrumado e pronto para partir, e não ter muitos negócios.”

“[...] o Estado nunca enfrenta intencionalmente a consciência intelectual ou moram de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos. Não está equipado com inteligência ou honestidade superiores, mas com força física superior.”

“Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza, ela morre, e assim também um homem.”

Henry David Thoreau. foi um filósofo, naturalista e poeta estadunidense. Caminhante solitário e defensor da Natureza, se isolou do convívio social por parte de sua vida. Sua obra antecipa preocupações ambientais e ecológicas. Ativista anti-impostos, foi preso por sonegação. Na prisão, escreveu esse livro em 1849, defendendo a desobediência civil como oposição legítima a um Estado injusto e autoritário. Nas mãos de Gandhi, esse livro o influenciou a derrubar um império. Embora os escritos de Thoreau tenham influenciado de anarquistas a ecologistas, o autor preferia não se definir sob nenhuma classificação política.
Desejo e Dor: A Perda do Futuro*

O filósofo francês Gilles Deleuze, conhecido entre outros outros ¨títulos¨ como o ¨filósofo do desejo¨, afirma que nunca se deseja um objeto ou uma pessoa, mas um agenciamento. Para ele, por exemplo, nunca se deseja uma mulher, mas deseja-se uma mulher e uma paisagem por trás da mesma. Se deseja-se uma pessoa, deseja-se toda uma situação em que essa pessoa se insere. Talvez se trocássemos a paisagem, o desejo sumiria. Mais do que pessoa ou objeto, deseja-se um agenciamento, uma situação, um contexto.

Quando se deseja um objeto, cria-se automaticamente uma imagem do uso, mesmo que contemplativo, desse objeto. Obviamente que os marketeiros de plantão devem ter entendido esse recado, pois para vender o carro do ano, criam propagandas de indivíduos felizes dentro do carro, com uma bela mulher ao lado, em paisagens ou situações agradáveis. Não se deseja o carro, deseja-se uma situação que só poderia ser possível com o carro. Pelo menos essa é a mensagem subliminar das propagandas. Mas não é meu objetivo, pelo menos nessa reflexão, me debruçar criticamente sobre essas estratégias de marketing. Vale a pena apenas entender que não se vendem mais apenas produtos, tenta-se vender estilos de vida e situações em que os produtos/serviços são fundamentais para ocorrerem, ou pelo menos quer se fazer crer que são.

O budismo afirma que é o desejo que leva ao sofrimento. Onde estaria a verdade dessa afirmação partindo dessa concepção deleuziana de desejo? Deixando os objetos de lado, porque será então que a perda de alguém que se gosta nos gera tanto sofrimento? Porque quando se perde um amor dói tanto? Porque quando se perde um ente querido o sofrimento é tão grande? Simplesmente porque se perde um pedaço do futuro. O futuro é um mar de possibilidades. Nessa variedade de possibilidades, muitas portas se fecham quando se perde alguém especial. Imagina-se uma multiplicidades de situações em que a presença de uma pessoa faria toda a diferença. Sem essa pessoa, nem valeria a pena a situação em si, pois não seria a mesma situação. Os planos do futuro que povoam o imaginário é que ficam destruídos sem determinada presença: não se perde só a pessoa, perde-se o futuro desejado com a pessoa.

Determinadas pessoas nos são tão especiais que fazem qualquer momento ser especial. Imagina-se que nunca mais os almoços serão alegres, pois era essa pessoa que deixava o almoço divertido. Imagina-se que assistir um filme nunca mais será a mesma coisa, pois era a companhia dessa pessoa que importava mais do que o filme em si. Imagina-se que as viagens planejadas não seriam mais prazerosas, pois não era a viagem em si que fazia a diferença, mas a viagem com aquela pessoa.

Nesse sentido, não se deseja um objeto ou uma pessoa isolada de um contexto, deseja-se uma multiplicidades de contextos em que pessoas e objetos se inserem. E quando se perde pessoas – e ao contrário dos objetos, pessoas são insubstituíveis – perde-se um pedaço do futuro. Para alguns, perde-se o futuro. Ou pelo menos aquele futuro que embora estivesse vivo apenas em projeções mentais, alimentava a vida no presente.

Por isso dói tanto perder alguém que se ama, já que mais do que simplesmente uma pessoa, perde-se a possibilidade de situações futuras que só seriam válidas ou desejáveis com aquela pessoa. Como nossa única certeza é o presente, vale a pena valorizar as pessoas, momentos e situações que nos fazem felizes, já que nada garante que isso perdure por muito tempo. E muitas coisas só são valorizadas quando perdidas, especialmente determinados momentos que só existem porque certas pessoas fazem serem únicos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Frases e Trechos de Gilles Deleuze – Livro: “Conversações”*

“A lógica de um pensamento é o conjunto das crises que ele atravessa, assemelha-se mais a uma cadeia vulcânica do que a um sistema tranquilo e próximo do equilíbrio.”

“O fênomeno é comum: cada vez que se morre um grande pensador, os imbecis sentem-se aliviados e fazem um estardalhaço dos infernos.”

“Jamais interprete, experimente…”

“Cada vez que se ouve: ninguém pode negar…,todo mundo há de reconhecer que…, sabemos que vem uma mentira ou um slogan.”

“Os mal-entendidos são frequentemente reações de bobagem raivosa. Há pessoas que não se sentem inteligentes senão quando descobrem “contradições” em um pensador.”

“E, se o homem foi uma maneira de aprisionar a vida, não será necessário que, sob uma outra forma, a vida se libere no próprio homem?”

¨Há pessoas que não se sentem inteligentes senão quando descobrem “contradições” em um pensador.¨”

¨O que me interessa são as relações entre as artes, a ciência e a filosofia. Não há nenhum privilégio de uma dessas disciplinas em relação a outra. Cada uma delas é criadora.¨

¨Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga.¨

¨São organismos que morrem, não a vida.¨

¨A arte é o que resiste: ela resiste à morte, à servidão, à infâmia, à vergonha.¨

“[...] trata-se da constituição de modos de existência, ou da invenção de possibilidades de vida que também dizem respeito à morte, a nossas relações com a morte: não a existência como sujeito, mas como obra de arte. Trata-se de inventar modos de existência, segundo regras facultativas, capazes de resistir ao poder bem como se furtar ao saber, mesmo se o saber tenta penetrá-los e o poder tenta apropriar-se deles. Mas os modos de existência ou possibilidades de vida não cessam de se recriar, e surgem novos.”

* Gilles Deleuze foi um filósofo francês que participou ativamente do movimento de 68 na França. É considerado um dos maiores nomes do movimento que ficou conhecido na filosofia e ciências sociais como pós-estruturalismo, ao lado de pensadores como Michel Foucault, Jaques Derrida, Felix Guattari, entre outros. Se Deleuze pode não ser tão conhecido e referenciado como Foucault, sua originalidade de pensamento e o brilho de seus conceitos filosóficos são exaltados por muitos que se debruçam sobre sua obra. O livro “Conversações” é uma compilação de várias entrevistas que Deleuze deu ao longo de sua vida.
Frases e Trechos de Fiodor Dostoiévski – Livro: “Memórias da Casa dos Mortos”*

“[...] no presídio havia tempo de sobra para se aprender a ser paciente [...]“

“O homem é um ser que a tudo se habitua, e essa é, a meu ver, a melhor das suas qualidades.”

“[...] a instrução fomenta no povo o espírito de suficiência.”

“É vulgar que um homem suporte alguns anos, se resigne, suporte os castigos mais duros, e de repente fique colérico só por alguma futilidade, por uma ninharia, quase sem motivo.”

“É certo que os presídios e o sistema dos trabalhos forçados não melhoram os delinquentes, aos quais castigam, mas põem a sociedade a salvo das suas ulteriores tentativas de praticarem danos e provêem à sua própria tranquilidade.”

“O homem não pode viver sem trabalho e sem condições legais e normais: degenera-se e converte-se numa fera.”

“[...] se me desse alguma vez para perder-me completamente, para abater um homem, para castigá-lo com o mais horrível castigo, o criminoso mais valente, não precisava senão de dar ao seu trabalho o caráter de uma inutilidade e total e absoluta carência do sentido.”

“Não há nada mais difícil do que adquirir prestígio sobre as pessoas (principalmente sobre pessoas como aquelas) e ganhar o seu afeto.”

“[...] a impressão direta é sempre mais forte do que a que se recebe através de uma simples narrativa.”

“Pode ser que eu esteja enganado, mas parece-me que se pode conhecer os homens pela maneira de rir e que, quando surpreendemos um riso afetuoso na boca de alguém que não conhecemos, podemos afirmar que se trata de uma boa pessoa.”

“[...] não é possível fazer do homem vivo um cadáver, pois conserva os seus sentimentos, a sua sede de vingança e de vida, as suas paixões e a necessidade de satisfazê-las.”

“[...] era evidente que devia considerar-se um homem muito esperto, o que sucede a todos os indivíduos de vistas curtas.”

“Há naturezas tão naturalmente belas, a tal ponto favorecidas por Deus, que o pensamento só de que alguma vez possam corromper-se nos parece impossível.”

“Quando não se tem experiência, não se pode julgar sobre coisa alguma.”

“[...] as privações morais são mais difíceis de sobrelevar do que todos os tormentos físicos.”

“[...] uma mescla dessa maliciosa impressão que às vezes degenera na necessidade de remexermos propositadamente na ferida, pelo desejo de nos distrairmos com o nosso próprio sofrimento, reconhecendo precisamente que no exagero de toda infelicidade há também um prazer.”

“[...] é muito difícil compreender os homens, mesmo em longos anos de convívio.”

“O presidiário, de presidiário não passa; uma vez que se encontra nessa situação, já uma pessoa pode descer a tudo sem se envergonhar.”

“[...] a realidade produz sempre uma impressão muito diferente daquilo que se ouviu dizer.”

“Dizem alguns (já o tenho ouvido e sei) que o maior amor pelo próximo é, ao mesmo tempo, o maior egoísmo. Mas que egoísmo poderia haver nisto… nunca cheguei a compreender.”

“Sentia e compreendia que todo aquele ambiente era totalmente novo; que estava mergulhado numa treva completa e que não podia viver na treva tantos anos. Era pois necessário preparar-me. É claro que decidi que, em primeiro lugar, deveria guiar-me conforme os meus sentimentos e a consciência me ordenassem. Mas também sabia que isso era apenas um preceito moral e que a realidade me era completamente desconhecida.”

“[...] os presos, a princípio, censuravam-me pelo meu amor ao trabalho e durante muito tempo olharam-me com desprezo e troça. Mas eu me fazia de desentendido e aplicava-me com firmeza a todas as coisas.”

“Nos indivíduos como Pietrov a razão só impera até o momento em que o desejo não os tenta. Não há freio possível que possa detê-los neste mundo.”

“Como não tem o dom da palavra, não podem ser os principais inspiradores e promotores dos acontecimentos; mas são os principais executores e os que primeiro os põem em prática.”

“Todos os homens, sejam quem forem, ainda mesmo inferiores, precisam, ainda que seja uma necessidade só instintiva, inconsciente, de que respeitem a sua dignidade de homem.”

*Fiodor Dostoiévski foi um escritor russo que nasceu em 1821 e faleceu em 1881. Por debater idéias consideradas revolucionárias, foi condenado à morte em 1849. Pouco tempo antes da execução, sua pena foi alterada e foi enviado à uma prisão na Sibéria em regime de trabalho forçado, onde ficou 4 anos. O livro do qual foram retiradas esses trechos é uma espécie de relato documental da época em que esteve preso. Nesse texto, o autor descreve o cotidiano da prisão, suas impressões e sentimentos, bem como faz profundas análises psicológicas das personagens com qual teve contato. Essa obra é considerado um marco na vida do autor, já que é após essa experiência que ele escreve suas obras primas, como “Crime e Castigo”. Dostoiévski é considerado um dos maiores nomes da história da literatura.

FERNANDO PESSOA

DE REPENTE COMO SE UM DESTINO MÉDICO ME HOUVESSE OPERADO DE UMA CEGUEIRA ANTIGA COM GRANDES RESULTADOS SÚBITOS, ERGO A CABEÇA, DA MINHA VIDA ANONIMA, PARA O CONHECIMENTO CLARO DE COMO EXISTO. E VEJO QUE TUDO QUANTO TENHO FEITO, TUDO QUANTO TENHO PENSADO, TUDO QUANTO TENHO SIDO, É UMA ESPÉCIE DE ENGANO E DE LOUCURA. MARAVILHO-ME DO QUE CONSEGUI NÃO VER. ESTRANHO QUANTO FUI E QUE VEJO QUE AFINAL NÃO SOU.

OLHO, COMO NUMA EXTENSÃO DO SOL QUE ROMPE NUVENS, A MINHA VIDA PASSADA; E NOTO, COMO UM PASMO METAFISICO, COMO TODOS OS NEUS GESTOS MSIS CERTOS, AS MINHAS IDÉIAS MAIS CLARAS, E OS MEUS PROPÓSITOS MAIS LÓGICOS, NÃO FORAM AFINAL, MAIS QUE BEBEDEIRA NATA, LOUCURA NATURAL, GRANDE DESCONHECIMENTO. NEM SEQUER REPRESENTEI. REPRESENTARAM-ME. FUI NÃO O ACTOR, MAS OS GESTOS DELE.

TUDO QUANTO TENHO FEITO, PENSADO, SIDO, É UMA SOMA DE SUBORDINAÇÕES, OU A UM ENTE FALSO QUE JUGUEI MEU, PORQUE AGI DELE PARA FORA, OU DE UM PESO DE CIRCUNSTÂNCIAS QUE SUPUS SER O AR QUE RESPIRAVA. SOU, NESTE MOMENTO DE VER, UM SOLITÁRIO SÚBITO, QUE SE RECONHECE DESTERRADO ONDE SE ENCONTROU SEMPRE O CIDADÃO. NO MAIS INTIMO DO QUE PENSEI NÃO FUI EU...

PESA-ME, REAMENTE ME PESA, COMO UMA CONDENAÇÃO A CONHECER, ESTA NOÇÃO REPENTINA DA MINHA INDIVIDUALIDADE VERDADEIRA, DESSA QUE ANDOU SEMPRE VIAJANDO, SONOLENTA ENTRE O QUE SENTE E O QUE VÊ.

É TÃO DIFICIL DESCREVER O QUE SE SENTE QUANDO SE SENTE QUE REALMENTE EXISTE, E QUE A ALMA É UMA ENTIDADE REAL, QUE NÃO SEI QUAIS SÃO AS PALAVRAS HUMANAS COM QUE POSSA DEFINI-LO. NÃO SEI SE ESTOU COM FEBRE, COMO SINTO, SE DEIXEI DE TER A FEBRE DE SER DORMIDOR DA VIDA. SIM, REPITO, SOU COMO O VIAJANTE QUE DE REPENTE SE ENCONTRA NUMA VILA ESTRANHA SEM SABER COMO ALI CHEGOU; E OCORREM-ME ESSES CASOS DE QUEM PERDE A MEMÓRIA, E SÃO OUTROS DURANTE MUITO TEMPO. FUI OUTRO DURANTE MUITO TEMPO – DESDE A NASCENÇA E A CONSCIÊNCIA - E ACORDO AGORA NO MEIO DA PONTE, DEBRUÇADO SOBRE O RIO, E SABENDO QUE EXISTO MAIS FIRMEMENTE DO QUE FUI ATÉ AQUI. MAS A CIDADE É ME INCÓGNITA, AS RUAS NOVAS, E O MAL SEM CURA. ESPERO, POIS, DEBRUÇADO SOBRE A PONTE, QUE ME PASSE A VERDADE, E EU ME RESTABELEÇA NULO E FICTICIO, INTELIGENTE E NATURAL...

sábado, 27 de novembro de 2010

Quem sabe...
Quem vive no futuro esquece o presente.
Lá se vai.
Lá se perde.
Lá se fica.
Lá se mora.

De mergulhos incessantes vive o peixe. Em cada movimento, um saltar de tempo.
Não vê luz, só sombras.
Como poderia ver que está parado?
Como pode sair do mar para olhar a pura luz?
Não se sabe.

Agora, voltando ao futuro... ou presente. Onde é que estou mesmo? Acho que me perdi...

Se é que um dia fui encontrado.

Mas há afinal um local, no qual se expressa a língua dos peixes, por eles não falada‏?

Rainer Maria Rilke

Há duas formas para viver sua vida: Uma é acreditar que não existe milagres. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagres. Albert Einstein

"Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.

Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.

Hoje já não tenho tanta certeza disso.

Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.

Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.

Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.

Vamo-nos perder no tempo...

Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?

Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!

- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...

Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.

E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.

Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a
sua vida isolada do passado.

E perder-nos-emos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!"

Fernando Pessoa

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

‘(…) Não posso perder meu tempo indagando sobre o mal e o pernicioso, seu interesse é sempre mediano no melhor dos casos e com frequência nulo, garanto, já vi muitos. O mal costuma ser simples, embora às vezes não tão simples, se você é capaz de apreciar a nuance. Mas há indagações que mancham, e há as que contagiam sem dar nada de valioso em troca. Existe hoje um gosto em se expor ao mais baixo e vil, ao monstruoso e ao aberrante, em contemplar o infra-humano e em roçar nele como se tivesse prestígio ou graça ou maior importância que os cem mil conflitos que nos assediam sem cair nisso. Há nessa atitude um elemento de soberba também, mais um: afundamos na anomalia, no repugnante e mesquinho como se nossa norma fosse a do respeito, da generosidade e da retidão e houvesse que analisar microscopicamente quanto se sai dela: como se a má-fé e a traição, a hostilidade e a vontade de prejudicar não fizessem parte dessa norma, fossem coisas excepcionais e merecessem por isso todos os nossos desvelos e a nossa máxima atenção. Mas não é assim. Isso tudo faz parte da norma e não tem maior mistério, não maior que a boa-fé. Mas esta época é dedicada à tolice, às obviedades e ao supérfluo, e assim vamos. As coisas deveriam ser o contrário disso: há ações tão abomináveis ou tão desprezíveis que seu mero cometimento deveria anular qualquer curiosidade possível em relação aos que cometem, em vez de criá-la ou suscitá-la, como tão imbecilmente acontece hoje. (…)’
trecho de seu rosto amanhã. (Javier Marias ).
"Voltei para a frente da casa e segui pela calçada. Parei por um minuto com a mão no nosso portão e olhei em volta, para a vizinhança muito parada. Não sei por quê, mas de repente me senti longe de todo mundo que eu tinha conhecido e amado quando era garota. Senti uma saudade das pessoas. Por um momento, fiquei lá parada e desejei poder voltar para aquela época. Então, quando pensei de novo, entendi com clareza que não podia fazer aquilo. Não, mas então me veio à cabeça que a minha vida não se parecia nem remotamente com a vida que eu achava que ia ter quando era jovem e vivia cheia de expectativas. Agora eu não conseguia lembrar o que eu queria fazer com a minha vida naquele tempo, mas como todo mundo eu também tinha planos. Cliff era alguém que também tinha planos e foi assim que nos conhecemos e foi por isso que ficamos juntos".

Raymond Carver. Iniciantes. Quer ver uma coisa?
"(...) Ora, este José de Arimateia é aquele bondoso e abastado homem que ofereceu os préstimos de um túmulo seu para nele ser depositado o corpo principal, mas a generosidade não lhe servirá de muito na hora das santificações, sequer das beatificações, pois não tem, a envolver-lhe a cabeça, mais do que o turbante com que sai à rua todos os dias, ao contrário desta mulher que aqui vemos em plano próximo, de cabelos soltos sobre o dorso curvo e dobrado, mas toucada com a glória suprema duma auréola, no seu caso recortada como um bordado doméstico. De certeza que a mulher ajoelhada se chama Maria, pois de antemão sabíamos que todas quantas aqui vieram juntar-se usam esse nome, apenas uma delas, por ser ademais Madalena, se distingue onomasticamente das outras, ora, qualquer observador, se conhecedor bastante dos factos elementares da vida, jurará, à primeira vista, que a mencionada Madalena é esta precisamente, porquanto só uma pessoa como ela, de dissoluto passado, teria ousado apresentar-se, na hora trágica, com um decote tão aberto, e um corpete de tal maneira justo que lhe faz subir e altear a redondez dos seios, razão por que, inevitavelmente, está atraindo e retendo a mirada sôfrega dos homens que passam, com grave dano das almas, assim arrastadas à perdição pelo infame corpo. É, porém, de compungida tristeza a expressão do seu rosto, e o abandono do corpo não exprime senão a dor de uma alma, é certo que escondida por carnes tentadoras, mas que é nosso dever ter em conta, falamos da alma, claro está, esta mulher poderia até estar inteiramente nua, se em tal preparo tivessem escolhido representá-la, que ainda assim haveríamos de demonstrar-lhe respeito e homenagem. Maria Madalena, se ela é, ampara, e parece que vai beijar, num gesto de compaixão intraduzível por palavras, a mão doutra mulher, esta sim, caída por terra, como desamparada de forças ou ferida de morte. O seu nome também é Maria, segunda na ordem de apresentação, mas, sem dúvida, primeiríssima na importância, se algo significa o lugar central que ocupa na região inferior da composição. Tirando o rosto lacrimoso e as mãos desfalecidas, nada se lhe alcança a ver do corpo, coberto pelas pregas múltiplas do manto e da túnica, cingida na cintura por um cordão cuja aspereza se adivinha (...)"
( José Saramago IN O Evangelho Segundo jesus Cristo ).

O sonho de um homem ridículo

Eu sou um homem ridículo. Agora eles me chamam de louco. Isso seria uma promoção, se eu não continuasse sendo para eles tão ridículo quanto antes. Mas agora já nem me zango, agora todos eles são queridos para mim, e até quando riem de mim - aí é que são ainda mais queridos. Eu também riria junto - não de mim mesmo, mas por amá-los, se ao olhar para eles não ficasse tão triste. Triste porque eles não conhecem a verdade, e eu conheço a verdade. Ah, como é duro conhecer sozinho a verdade! Mas isso eles não vão entender. Não, não vão entender.

Antes, porém, eu me sentia muito consternado por parecer ridículo. Eu não parecia, eu era. Sempre fui ridículo, e sei disso, talvez, desde que nasci. Talvez desde os sete anos já soubesse que sou ridículo. Depois fui para a escola, depois para a universidade, e ora - quanto mais estudava, mais aprendia que sou ridículo. De modo que todos os meus estudos universitários como que só existiram, afinal, para me provar e me explicar, à medida que neles me aprofundava, que sou ridículo. Assim como nos estudos, acontecia também na vida. A cada ano aumentava e se fortalecia em mim essa mesma consciência do meu aspecto ridículo em todos os sentidos. Todos riam de mim, o tempo todo. Mas ninguém sabia nem suspeitava que, se havia na Terra um homem mais sabedor do fato de que sou ridículo, esse homem era eu, e era justo isso o que mais me ofendia, que eles não soubessem disso, mas aqui o culpado era eu mesmo: sempre fui tão orgulhoso que por nada no mundo jamais iria querer confessar o fato a ninguém. Esse orgulho cresceu em mim ao longo dos anos, e se acontecesse de me deixar confessar, diante de quem quer que fosse, que sou ridículo, creio que imediatamente, na mesma noite, estouraria os miolos com um revólver. Ah, como eu sofria na adolescência com medo de não agüentar e de repente acabar de algum jeito me confessando aos amigos. Mas desde que me tornei moço, apesar de reconhecer mais e mais a cada ano a minha horrível qualidade, por um motivo qualquer fiquei um pouco mais tranqüilo. Por um motivo qualquer, justamente, porque até hoje não sei bem por que motivo. Talvez porque na minha alma viesse crescendo uma melancolia terrível por causa de uma circunstância que já estava infinitamente acima de todo o meu ser: mais precisamente - ocorrera-me a convicção de que no mundo, em qualquer canto, tudo tanto faz. Fazia muito tempo que eu vinha pressentindo isso, mas a plena convicção surgiu no último ano, assim, de repente. Senti de repente que para mim dava no mesmo que existisse um mundo ou que nada houvesse em lugar nenhum. Passei a perceber e a sentir com todo o meu ser que diante de mim não havia nada. No começo me parecia sempre que, em compensação, tinha havido muita coisa antes, mas depois intuí que antes também não tinha havido nada, apenas parecia haver, não sei por quê. Pouco a pouco me convenci de que também não vai haver nada jamais. Então de repente parei de me zangar com as pessoas e passei a quase nem notá-las. De fato, isso se manifestava até nas mínimas ninharias: estou, por exemplo, andando na rua e vou dando encontrões nas pessoas. E não era por andar mergulhado em pensamentos: sobre aquilo que eu tinha para pensar, já então cessara completamente de pensar: tudo me era indiferente. E se ao menos eu tivesse resolvido as questões; ah, não resolvi nenhuma, e quantas havia? Mas para mim tudo ficou indiferente, e as questões todas se afastaram.
(Fiodor Dostoiévsky).

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Miguel Torga

Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil. Lá está o exemplo de Miguel Angelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shakespeare...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Kirílov

Todos os heróis de Dostoievski se interrogam sobre o sentido da vida. É nisso que eles são moderno: não temem o ridículo. O que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos. Nos romances de Dostoievski a questão é apresentada' com uma tal intensidade que só pode levar a soluções extremas. A existência é mentirosa ou ela é eterna. Se Dostoievski se satisfizesse com esse exame, seria filósofo. Mas ele ilustra as conseqüências que esses jogos do espírito podem ter numa vida humana e é nisso que ele é artista. Entre tais conseqüências, é a última que o retém aquela que ele próprio, no Diário de um escritor, chamou de suicídio lógico. Nas folhas já prontas em dezembro de 1876 ele de fato imagina o raciocínio do "suicídio lógico". Persuadido de que a existência humana é uma perfeita absurdidade para quem não tem a fé na imortalidade, o desesperado chega às seguintes conclusões:

"Uma vez que, às minhas questões a respeito da felicidade, ele me declarou em resposta, por intermédio da minha consciência, que eu não posso ser feliz de outra maneira senão nessa harmonia com o grande todo, que não concebo e não estarei nunca em estado de conceber, evidentemente (...)”.

"(...) Uma vez que, enfim, nessa ordem das coisas, assumo ao mesmo tempo o papel da acusação e o da defesa, do réu e do juiz, e uma vez que acho essa comédia por parte da natureza inteiramente estúpida e que até considero humilhante da minha parte aceitar trabalhar nela (...)”.

"Na minha qualidade indiscutível de acusador e defensor, de juiz e réu, condeno essa natureza que, com uma tão impudente sem-cerimônia, me fez nascer para sofrer — eu a condeno a ser aniquilada junto comigo."
( REPAGINANDO DOSTOIÉVSKI ).

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

" QUE BOM SERIA SE UM POLITICO PEGASSE FEBRE AFTOSA. DAI, TERIAMOS QUE SACRIFICAR TODO O REBANHO "

( CAMILLA ).
Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco.
(Gabriel García Márquez IN Memórias de Minhas Putas Tristes)

O ROCHEDO CONTINUA A ROLAR...

O MITO DE SÍSIFO

Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

Se acreditarmos em Homero, Sísifo era o mais sábio e mais prudente dos mortais. Segundo uma outra tradição, porém, ele tinha queda para o ofício de salteador. Não vejo aí contradição. Diferem as opiniões sobre os motivos que lhe valeram ser o trabalhador inútil dos infernos. Reprovam-lhe, antes de tudo, certa leviandade para com os deuses. Espalhou os segredos deles. Egina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter. O pai, abalado por esse desaparecimento, se queixou a Sísifo. Este, que tomara conhecimento do rapto, ofereceu a Asopo orientá-lo a respeito, com a condição de que fornecesse água à cidadela de Corinto. Às cóleras celestes ele preferiu a bênção da água. Foi punido por isso nós infernos. Homero nos conta ainda que Sísifo acorrentara a Morte. Plutão não pôde tolerar o espetáculo de seu império deserto e silencioso. Despachou o deus da guerra, que libertou a Morte das mãos de seu vencedor.

Diz-se também que Sísifo, estando prestes a morrer, imprudentemente quis pôr à prova o amor de sua mulher. Ele lhe ordenou jogar o seu corpo insepulto em plena praça pública. Sísifo se recobrou nos infernos. Ali, exasperado com uma obediência tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão o consentimento para voltar à terra e castigar a mulher. Mas, quando ele de novo pôde rever a face deste mundo, provar a água e o sol, as pedras aquecidas e o mar, não quis mais retornar à escuridão infernal. Os chamamentos, as iras, as advertências de nada adiantaram. Ainda por muitos anos ele viveu diante da curva do golfo, do mar arrebentando e dos sorrisos da terra. Foi necessária uma sentença dos deuses. Mercúrio veio apanhar o atrevido pelo pescoço e, arrancando-o de suas alegrias, reconduziu-o à força aos infernos, onde seu rochedo estava preparado.

Já deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.

É durante esse retorno, essa pausa, que Sísifo me interessa. Um rosto que pena, assim tão perto das pedras, é já ele próprio pedra! Vejo esse homem redescer, com o passo pesado, mas igual, para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora que é como uma respiração e que ressurge tão certamente quanto sua infelicidade, essa hora é aquela da consciência. A cada um desses momentos, em que ele deixa os cimos e se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, ele é superior ao seu destino. É mais forte que seu rochedo.

Se esse mito é trágico, é que seu herói é consciente. Onde estaria, de fato, a sua pena, se a cada passo 0 sustentasse a esperança de ser bem-sucedido? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas e esse destino não é menos absurdo. Mas ele só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua condição miserável: é nela que ele pensa enquanto desce. A lucidez que devia produzir o seu tormento consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere pelo desprezo.

Se a descida, assim, em certos dias se faz para a dor, ela também pode se fazer para a alegria. Esta palavra não está demais. Imagino ainda Sísifo indo outra vez para seu rochedo, e a dor estava no começo. Quando as imagens da terra se mantêm muito intensas na lembrança, quando o apelo da felicidade se faz demasiadamente pesado, acontece que a tristeza se impõe ao coração humano: é a vitória do rochedo, é o próprio rochedo. O enorme desgosto é pesado demais para carregar. São nossas noites de Getsêmani. Mas as verdades esmagadoras perecem ao serem reconhecidas. Assim, Édipo de início obedece ao destino sem o saber. A partir do momento em que ele sabe, sua tragédia principia. Mas no mesmo instante, cego e desesperado, reconhece que o único laço que o prende ao mundo é ó frescor da mão de uma garota. Uma fala descomedida ressoa então: "Apesar de tantas experiências, minha idade avançada e a grandeza da minha alma me fazem achar é que tudo está bem”. O Édipo de Sófocles, como o Kirílov de Dostoiévski, dá assim a fórmula da vitória absurda. A sabedoria antiga torna a se encontrar com o heroísmo moderno.

Não se descobre o absurdo sem ser tentado a escrever algum manual de felicidade. "Mas como, com umas trilhas tão estreitas?" No entanto, só existe um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Ocorre do mesmo modo o sentimento do absurdo nascer da felicidade. "Acho que tudo está bem", diz Édipo, e essa fala é sagrada. Ela ressoa no universo feroz e limitado do homem. Ensina que tudo não é e não foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele havia entrado com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Faz do destino um assunto do homem e que deve ser acertado entre os homens.

Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. No universo subitamente restituído ao seu silêncio, elevam-se as mil pequenas vozes maravilhadas da terra. Apelos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória. Não existe sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há nenhuma destinação superior ou, pelo menos, só existe uma, que ele julga fatal e desprezível. No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa seqüência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar.

Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.
( REFLEXÕES SOBRE O MITO DE SISIFO POR ALBERT CAMUS ).
Assim como realmente a medicina em nada beneficia, se não liberta dos males do corpo, assim também sucede com a filosofia, se não liberta das paixões da alma.
Epicuro

Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tampouco de dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser.
Jean Paul Sartre

Sem dúvida, são necessários dois para se fazer a paz. Mas uma das partes, por conta própria, pode dar um passo decisivo adiante.
Bernard-Henri Lévy

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Invictus

Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

( William E Henley ).
(Eclesiastes 7.10-20)

"Nunca digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém da sabedoria esta pergunta.
Tão boa é a sabedoria como a herança, e dela tiram proveito os que vêem o sol.
Porque a sabedoria serve de defesa, como de defesa serve o dinheiro; mas a excelência do conhecimento é que a sabedoria dá vida ao seu possuidor.
Atenta para a obra de Deus; porque quem poderá endireitar o que ele fez torto?
No dia da prosperidade goza do bem, mas no dia da adversidade considera; porque também Deus fez a este em oposição àquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.
Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade.
Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?
Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo?
Bom é que retenhas isto, e também daquilo não retires a tua mão; porque quem teme a Deus escapa de tudo isso.
A sabedoria fortalece o sábio, mais do que dez poderosos que haja na cidade.
Na verdade que não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque."

E ainda, Provérbios 4.23:

"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida."

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

E POR FALAR EM ELEIÇÃO...

ULTIMATUM
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Mandado de despejo aos mandarins da república fétida.

Fora!
Fora tu, reles esnobe plebeu,
E tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade.
Salada de raças em louça do século dezessete falsificada!
Alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da intimidade da Leopoldina
Epidemia miserável a matar de espera nas filas dos hospitais aqueles que te sustentam
E em todas as outras filas
Assassinos corruptos com olhos de vidro fosco
Visgo das dobras dos imperadores sujos vestidos de seu comércio sanguinário
Fora tu, e tu qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles todos

Fora!
Fora tu, vegetariano do paradoxo
Canibal tupi a mascar almas e sonhos
Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
Tu, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir

Estorvo, contraponto, acaso que só rende carmas
Tumor da galáxia, sopa salgada fria,
Tu, que sustentado por partidos intragáveis de tão partidos
Ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para garrafa da Complexidade!
Fora! Saiam todos da minha frente
Com suas verdades burras e suas vestes hipócritas
Monte de verme com cara de gente
Cerne de pus de origem maligna
O que aí está não tem cura
Degenera a democracia e as aspirações do bem
Assassinos da cidadania obsoleta, da cultura já putrefata
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo

Ultimatum a vós que rouba a gargalhar, a exibir as larvas de seus dentes amarelos
Vós, anarquistas deveras sinceros,
Tu, aleijado sem frente, que estás sempre de costas pro povo

Bando de socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhador
Para quererem deixar de trabalhar

Sim, todos vós que representais
Homens altos, baixos, gordos, carecas...
Com barbas de carrapatos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem isso tudo para casa
Descascar batatas simbólicas

Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
E todos os chefes de estado, e todos os ministros, e todo o senado de quimera
Incompetentes ao léu,
Bancários vigaristas, barris de lixo virados para baixo.
Saiam todos, eu vos expulso da minha vida, eu vos desprezo
Políticos, bandidos, reis, policiais, desembargadores de cadáveres indigentes

Todos vocês filhos da Insuficiência!

Fechem-me tudo isso a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais as janelas
Do que todas as janelas que há no mundo

Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão

Nenhuma atitude edificante

Nenhum motivo de orgulho por menor que seja
Tu só me envergonhas, país de esterco...
O mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está o apodrecer da vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada
Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um mundo novo
O que aí está é tudo mentira e descartável
Galo depenado com pele pintada de pena
Cultura podre com azeite de cristianismo e vinagre de servidorismo
Mistura de sub-raças e, no entanto, nenhuma castiça
Descendentes de pilantras, charlatãs, espertos
Resto da Monarquia porca a apodrecer República
Que até hoje não fundada.
Transatlântica nasal do modernismo inestético
Essa política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!

Fora todos!

Saiam já dessa terra que ainda tem seiva
Apesar do ácido das salivas dos mercenários terem deteriorado nossas classes
Saiam e vão para bem longe, de onde nunca vieram
De forma que não voltem mais

Resto de carne às moscas
Arte de réplicas, imitações baratas
Literatura da fome sendo devorada por ratos
Eu desrespeito todos vocês que não merecem sequer minha voz
Eu escarro nessa bandeira de pátria nenhuma
Pedaço de pano a forrar gaiolas de carcarás

Saiam todos da minha frente
Fora! Fora! Fora!

Vão com sua gente, seus parasitas sem línguas
Vão com seus dicionários inúteis caídos em desuso
E levem essa história medíocre de corrupção e propinas
E não deixem cá nem o pó de sua pele
Para que não atraia ninguém dos seus
Para não perpetuar sua linhagem de insetos carnívoros

Saiam!
"Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
-- Velho caixão a carregar destroços --
Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!"

Augusto dos Anjos
"Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais."
(José Saramago 1922-2010)
"Nossas dádivas são traidoras e nos
fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar."
Willian Shakespeare

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

TESTAMENTO DO HOMEM SENSATO.

Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: “Ele era assim…”
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.

Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.

Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,

deixa-a pousar em teu silêncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.

Carlos Pena Filho
"Se te perguntar sobre arte, me dirá tudo escrito sobre o tema. Michelangelo... sabe muito sobre ele: Sua obra, aspirações políticas, ele e o papa, tendências sexuais, tudo. Mas não pode falar do cheiro da Capela Sistina. Nunca esteve lá, nem olhou aquele teto lindo. Nunca o viu. Se perguntar sobre mulheres, me dará uma lista das favoritas. Já deve ter transado algumas vezes, mas não sabe o que é acordar ao lado de uma mulher e se sentir realmente feliz. É um garoto sofrido. Se perguntar sobre a guerra, vai me citar Shakespeare: "Outra vez ao mar, amigos... ", mas não conhece a guerra. Nunca teve a cabeça de seu melhor amigo no colo e viu seu último suspiro, pedindo ajuda. Se perguntar sobre o amor, citará um soneto, mas nunca olhou uma mulher e se sentiu vulnerável. Alguém que o entendesse com um olhar. Como se Deus tivesse posto um anjo na Terra só pra você; para salvá-lo do inferno. E sem saber como ser o anjo dela, como amá-la e apoiá-la pra sempre, em tudo... no câncer. Não sabe o que é dormir sentado num hospital por dois meses porque só o horário de visitas não é suficiente. Não sabe nada de perda. Porque ela só ocorre quando ama algo mais que a si próprio. Duvido que já tenha amado alguém assim. Olho pra você, e não vejo um homem inteligente e confiante. Só um garoto convencido e assustado. Mas você é um gênio, é inegável. Ninguém entenderia sua complexidade. Mas acha que me conhece por um quadro e disseca minha vida. Você é órfão, não é? Acha que sei de como sofreu, como se sente, quem você é... porque li "Oliver Twist"? Você se resume a isso? Pessoalmente, estou cagando pra isso, porque tudo que me diz eu poderia ler em livros. A menos que me conte sobre você, quem você é. Isso me fascinaria. Isso, sim! Mas não quer fazer isso, não é? Morre de medo do que poderia dizer. Você que sabe."

* Fala da personagem Sean Maguire atuada por Robin Williams no filme "Um Gênio Indomável" (Good Will Hunting - 1997; Gus Van Sant).

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

E.A

E EU, QUE DE TANTO DEIXAR PARA LÁ,
SINTO O AMARGO DO FÉL EM MIM. TALVEZ PORQUE ESTE MESMO,
TEM SIDO O QUE SOU...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

temos necessidade do próximo, para nos esquecer de nós mesmos...

A Necessidade do Próximo ( FRIEDRICH NIETZSCHE )

Nós só sentimos agrado para com os semelhantes - ou seja pelas imagens de nós
próprios - quando sentimos comprazimento connosco. E quanto mais estamos
contentes connosco, mais detestamos o que nos é estranho: a aversão pelo que nos
é estranho está na proporção da estima que temos por nós. É em consequência
dessa aversão que nós destruímos tudo o que é estranho, ao qual assim mostramos
o nosso distanciamento.
Mas o menosprezo por nós próprios pode levar-nos a uma compaixão geral para com
a humanidade e pode ser utilizado, intencionalmente, para uma aproximação com os
demais.
Temos necessidade do próximo para nos esquecermos de nós mesmos: o que leva à
sociabilidade com muita gente.
Somos dados a supor que também os outros têm desgosto com o que são; quando isto
se verifica, então receberemos uma grande alegria: afinal, estamos na mesma
situação.
E, talqualmente nos vemos forçados a suportar-nos, apesar do desgosto que temos
com aquilo que somos, assim nos habituamos a suportar os nossos semelhantes.
Assim, nós deixamos de desprezar os outros; a aversão para com eles diminui, e
dá-se a reaproximação.
Eis porque, em virtude da doutrina do pecado e da condenação universal, o homem
se aproxima de si mesmo. E até aqueles que detêm efectivamente o poder são de
considerar, agora como dantes, sob este mesmo aspecto: é que, «no fundo, são uns
pobres homens.
A verdade causa repugnância à nossa natureza, mas o erro não, e isso por um motivo bem simples: a verdade exige que nos reconheçamos como seres limitados; o erro acalenta-nos na ideia de que, de um modo ou de outro, somos infinitos
( JOHANN WOLFGANG VON GOETHE)

QUEM DISSE QUE EU ME MUDEI ?!?

" NÃO IMPORTA QUE A TENHAM DEMOLIDO:
A GENTE CONTINUA MORANDO NA VELHA CASA EM QUE NASCEU. "
( Mário Quintana ).

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Amor…

- E quem é seu pai – perguntei-lhe – e sua mãe?

- É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar – pois vinho ainda não havia – penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio – pois já é -, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.

O Banquete – PLATÃO
“[...] Enquadrar-se, viver como vive o ‘homem comum’, achar correto e bom o que ele acha correto: isso é a submissão ao instinto de rebanho. Há que se levar sua coragem e o seu rigor longe o bastante para sentir como uma vergonha tal submissão. [...]”

NIETZSCHE, F.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

"Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta".
Albert Einstein

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

ÁPHIOS

" NUNCA ESTOU PERTO O BASTANTE... QUERENDO DAR-LHE LIBERDADE, CRUELMENTE TENHO LHE APRISIONADO. "

quarta-feira, 7 de julho de 2010

[CSÖND ÉS SZO]


Atrás de tanques, de exterminadores,
sempre vagueiam o silêncio e a sombra
de algum quem sabe quem
– vitima? culpado? –
para anotar e logo dizer
o que se passou, o que foi.
E embora o morto já viverá mais,
dir-nos-á que existiu.

Sim, sou o silêncio, e se tivesse sido
outra coisa, não seria eu!
Não sou quem cantava e respirava.
Sou a luz dependurada no arame farpado.
Sou a bolha de ar debaixo do gelo.
Sou um tartamudo que canta
no bordo da cratera de uma bomba.


versão de JLBG e Juan Carlos Mellidez
a partir da tradução castelhana de György Ferdinandy,
Maria Teresa Reyes-Cortés e Jesús Tomé

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A filosofia também é poesia, mas não tão inconvenientemente a ponto de ressoar apenas a partir de um único sujeito. Ao contrário, ela é uma poesia interior, implantada no objeto, tal como a música das esferas celestes. Pois originariamente, é a coisa que é poética, só depois o é palavra."

Friedrich Wilheim.

MY FRIEND DIOGO CINTRA

Neverland

Bebi uma xícara
de fantasia em
uma nave de gelo

Lacaios encarceraram
meus olhos em
quilômetros de livros
cegos

Vasos e janelas empoeirados
pela vaidade, mendigos
acorrentados em espíritos
de palha

O egoísmo sorri para
sonhos em travesseiros
verdes

Utopias desfiguradas
sempre desaparecerão
enquanto existir
cárceres de liberdade...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Frases...

_Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais.

_Dirão, em som, as coisas que, calados,no silêncio dos olhos confessamos?

_Para temperamentos nostálgicos, em geral quebradiços, pouco flexíveis, viver sozinho é um duríssimo castigo.

_De que adianta falar de motivos, às vezes basta um só, às vezes nem juntando todos.

_O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas.

_Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

_Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.

_O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio.

_Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa.

_Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.

_Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.

_Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo.

_Há ocasiões que é mil vezes preferível fazer de menos que fazer de mais, entrega-se o assuntto ao governamento da sensibilidade, ela, melhor que a inteligência racional, saberá proceder segundo o que mais convenha à perfeição dos instantes seguintes.

_Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagine-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas.

_Com pesos dúvidos me sujeito à balança até hoje recusada de saber o que mais vale:
Se julgar, assistir ou ser julgado.
Ponho no prato raso quanto sou.

_Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida.

José Saramago
José Saramago

“Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Mário Quintana
Importuna e plácida…
Esta chuva que se esbate sobre mim.
Lava a alma, cala a sede
Que se vem entoando desde Abril.
Afigura-se como o sol da época,
Irradiando a imaculada fúria dos céus!
Exclama o azul profundo e tenebroso,
Que alegórico mas ditoso,
Impõe a melancolia de quem o julga assim…
A beleza esconde-se calada
À espera dos que a sabem descobrir.
Ver e tão-somente difícil
Que aqueles que a julgam pressentir
São atirados no tempo
Do tempo que meramente deixou de existir…

A chuva é fugaz e impessoal.
Mas quem não deseja ser assim?
Porque as angústias elevam-me à tristeza
E a tristeza dita agora parte de mim!
E olho em direcção deste vasto céu,
Procurando vislumbrar os mesmos sinais de ti.
E o medo apodera-se de mim
Porque sei que a chuva deixou de cair…

Dante
Mar de S. Pedro de Moel



.
Eu vou ao encontro do mar, irei!
Ouvindo de leve sua fresca canção
Por vielas de saudades, caminhos que nem sei!
Com beijos das lágrimas testemunhas da solidão

Vou rompendo o tempo, que mais há a romper?
Na aridez quase húmida do meu pensamento
Vou ao teu encontro, sem nada para oferecer
A não ser desgostos e o abraço do vento

Mar caminho para te encontrar!
Estou a ir...
Faz com que a tua melodia me incuta a sorrir...
Exige que ela me faça sonhar...

Se mais ninguém me deseja ouvir...

Estou sentado naquele banco de jardim
A pautar recordações, a meio da jornada
Ó mar! Lembras-te quando vinhas até mim?
Cortando desesperos, no auge da madrugada

Com ondas de incentivo ofegantes, remavas
Rumo ao meu efémero coração desconfiado
Tinhas razão, quando em meu peito choravas
Por saber que eu estava apaixonado...

Não continues transtornado, eu não vou desistir
De procurar o caminho, para beber tua calma
Eu vou! Vou... e estou a ir
Com o suspiro enorme da minha alma

Não penses que será a Primavera
A renunciar, uma opinião tão decidida
Quando te contava segredos, lembras-te como era?
Descansa mar...irás ficar com a minha vida

Com sorrisos, horas mortas, dias riscados
Irás ficar com a chuva dormente, enfim...
Mar! Continua a ser o desabafo dos enamorados
Como um dia foste para mim.

E vou ao encontro do mar, irei!
Por vielas de saudades, caminhos que nem sei...

José Correia
Tenho Tanto Sentimento




Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa
Reflexão...


Reflectir é pensar!

Reflexão!

É o que os dias de hoje
mais pedem.
É o que a situação actual
solicita com urgência.

Quando a dor se faz mais forte,
quando julgamos que
chegamos perto do fim do poço,
quando tudo parece emperrado,
complicado,
quando começamos acreditar
que todos estão contra nós,
é o momento de parar
e olhar para dentro de si mesmo,
encontrar a resposta
nessa visão,
no olho interior que
é a reflexão.

Reflectir é pensar,
ter tempo para questionar:

Por que eu faço isso
repetidas vezes?

Por que eu só me apaixono por
pessoas complicadas?

Por que não consigo
um emprego como eu desejo?

Por que vivo cheio
de dívidas se ganho
tão bem?

Por que os amigos
se afastam quando
mais preciso?

Por que minha família
é tão desunida?

Por que estou tão feliz,
ou triste assim?

É preciso coragem para
questionar a si mesmo!

Normalmente temos um conselho
pronto para os outros,
sabemos indicar caminhos,
rotas e direcções,
sempre para os outros?

Mas, por favor,
não confunda reflexão com
auto-acusação.

Reflectir não é se martirizar,
pois isso leva ao erro,
faz com que você assuma
o papel de vítima,
e nada é pior do que ser
?a eterna vítima?,
o ?coitadinho ou coitadinha de Jesus?.
?Só eu apanho.
Só eu sofro assim.
Nada dá certo para mim?.
Oh! dor, oh! dia,
oh! desgraça sem fim?

Reflexão não combina
com lamentação.
Reflexão é o uso da razão!
É assumir conflitos e buscar
uma solução.
Tentar mais de uma vez,
usar o perdão.

Recomeçar quantas vezes
forem necessárias,
sempre com um desejo:
acertar!

Virar o jogo,
deixar de ser pedra que fica,
para ser a pedra que rola,
aquele que se transforma.

Se tudo está cinza,
reflectir pode colorir
a sua história.
Paulo Roberto Gaefke
Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade
Poema
Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cansado de analisar todas as coisas,tomei cuidado para que não me sucedesse o
que ocorre com os que observam um eclipse solar. Há quem fique cego,por não ter
o cuidado de olhar através da água ou qualquer outro meio a imagem deste astro.
Ocorreu-me algo semelhante no espírito, e temi perder os olhos da alma se
observasse os objetos com os olhos do corpo e se me utilizasse dos sentidos para
tocá-los e conhecê-los.
Cheguei a conclusão que deveria me servir da razão e
olhar nela a verdade de todas as coisas.

Platão
A ciência humana de maneira nenhuma nega a existência de Deus. Quando

considero quantas e quão maravilhosas coisas o homem compreende, pesquisa e

consegue realizar, então reconheço claramente que o espírito humano é obra de

Deus, e a mais notável.

Galileu Galilei
O homem não é mais do que sua imagem

O homem não é mais do que a sua imagem. Os filósofos bem podem explicar-nos que a opinião do mundo pouco conta e que só importa aquilo que somos. Mas os filósofos não percebem nada. Enquanto vivermos entre os seres humanos, seremos aquilo que os seres humanos considerarem que somos. Passamos por velhacos ou manhosos quando não paramos de perguntar a nós próprios como nos vêem os outros, quando nos esforçamos por ser o mais simpáticos possível. Mas entre o meu eu e o do outro, existirá algum contacto directo, sem a mediação dos olhos? Será pensável o amor sem uma perseguição angustiada da nossa própria imagem no pensamento da pessoa amada? Quando deixamos de nos preocupar com a maneira como o outro nos vê, deixamos de o amar.

Milan Kundera, in “A Imortalidade”
Fome, barriga do homem não é sua casa;
Dor, peito do homem não é seu apart-hotel;
Medo, cabeça do homem não é sua praia;
Infelicidade, a vida do homem não é seu metrô.
Sai sai sai, eu vou contar até três e nunca mais...
(Chico Cesar - Dá licença M').
“A principal razão, e aplicável à humanidade em geral, é que nossas próprias virtudes não são algo de livre, de flutuante, e do qual conservamos a disponibilidade permanente; elas acabam por associar-se tão estreitamente em nosso espírito às ações ante as quais nos impusemos o dever de exercê-las que, se nos surge alguma atividade de outra natureza, pega-nos completamente desprevenidos, sem que nos ocorra ao menos a ideia de que ela poderia permitir o desempenho dessas mesmas virtudes”
(Marcel Proust in Sombra das Raparigas em Flor)

sábado, 19 de junho de 2010

tento me erguer as própias custas...
e caio sempre no seus braços.

um pobre diabo é o que sou !!!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

NIETZSCHE

O Demonio
E se um dia um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse:

” Esta vida, assim como a vives e sempre viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes, não haverá nela nada de novo!

Cada dor, cada pensamento, tudo que há de pequeno em tua vida há de retornar. Tudo, na mesma ordem e sequência. E, do mesmo modo, do mesmo modo, esse instante e eu próprio: o demônio. O eterno relógio da existência reiniciará outra vez a contagem do seu tempo, e do tempo das tuas desgraças.Não te lançarias ao chão rangendo os dentes e amaldiçoando o demônio?

Não, não. Responderias medrosamente que nunca te disseram algo mais divino. Diga, nunca te disseram algo mais divino?

Mentirias que queres para sempre a tua própria desgraça? Vê bem, se disseres que sim estará apenas piorando a eternidade

terça-feira, 15 de junho de 2010

E. A ... ÁPHIOS

" O BRASIL É FODA. NÃO HÁ SEQUER UMA PONTE POÉTICA DE ONDE SE POSSA PULAR, PARA MORRER COM DIGNIDADE ... "

segunda-feira, 7 de junho de 2010

"A aventura básica da vida é o modo como uma pessoa organiza sua forma de existência,
desorganiza o que não é mais relevante e gera novas experiências para se tornar
o indivíduo que ele vive e não aquele que ele imagina que tem que ser".
Stanley Keleman

terça-feira, 1 de junho de 2010

Não sou um homem real, não sou um homem como os outros, um homem de carne e osso. um homem gerado por homens. não nasci como os meus companheiros; ninguém me embalou ou viu crescer; não conheci a inquietação da adolescência nem a doçura dos laços de sangue. Sou - e quero dizê-lo, ainda que você não acredite tão somente o protagonista de um sonho. Uma imagem de William Shakespeare, tornou-se para mim literal e tragicamente exacta : sou da mesma matéria que são de que são feitas os sonhos humanos ! existo porque alguém me sonha: alguém dormindo, sonha e me vê em actividade, com vida e em movimento, e nesse instante sonha que estou dizendo tudo isso. No momento em que esse alguém começou a sonhar-me, comecei a existir; quando despertar, deixarei de existir. Sou fruto de sua imaginação, uma imaginação sua, um hóspede de suas longas fantasias nocturnas. O sonho desse alguém é tão duradouro e intenso que me tornei visível até para os homens desperto... mas o mundo da vigília, o mundo da realidade concreta, esse não é o meu mundo. sinto -me tão deslocado em meio à vulgar solidariedade de vocês! minha verdadeira é a que transcorre vagamente na alma do meu adormecido criador. " Não creia que estou falando por enigmas ou símbolos. O que estou estou lhe dizendo é a verdade , a pura verdade mais simples e terrível. Pare, então de arregalar os olhos de espanto! não olhe mais p-ara mim com esse ar penalizado de surpresa! '' Ser actor de um sonho, não é o que mais me atormenta. Poetas há que disseram que a vida dos homens é a sombra de um sonho, e filósofos que sugeriram que toda a realidade é alucinação. Eu , em vez disso, sou perseguido por uma outra ideia: quem é que me sonha? quem é esse alguém, esse ser ignoto que não conheço e por que sou possuído, que me faz surgir de repente da névoa de seu cérebro fatigado e que ao acordar me extinguirá de repente, como um sopro inesperado em uma chama.Há quanto tempo penso nesse meu adormecido proprietário, nesse meu criador que se ocupa do curso de minha efêmera vida! Decerto é grande e poderoso: um ser pára o qual nossos anos são minutos, e que pode viver toda a vida de um homem em uma única de suas horas e a história da humanidade em uma de suas noites. seus sonhos devem ser vivos, fortes e profundos a ponto de projectar as imagens para o exterior, de modo que pareçam coisas reais. Talvez o mundo inteiro não seja mais que o produto eternamente variável de um entrecuzar-se de sonhos de seres semelhantes a ele. Mas não quero generalizar demais: deixemos as metafisicas para os imprudentes! basta-me a terrivel certeza de ser a criatura imaginável de um imenso sonhador.
( PAPINI ).

segunda-feira, 26 de abril de 2010

"A maneira de andar como quem busca estrelas pelo chão.
A cabeça a dar contra os muros.
Em cada olho, o mundo como um punhal - cravado.
O pensamento a abrir estradas numa várzea distante.
Diante do mar, a sede, a sede de beber a vida em infinitas viagens.
As garras de gato ante paredes impostas.
A impaciência de que chegue a manhã e a praia, a tarde e o amor.

O coração que bate ao som de fábulas.
Que bate contra rochedos mortos numa praia de cinza onde palpita o primeiro amor.
Coração eterno."

Afonso Felix de Sousa, in autoretrato
"Se em certa altura tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa tivesse dito as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais...
Mas só agora o que nunca foi, nem será de novo, me dói."
(Fernando Pessoa)
Não durmo, e o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

(Fernando Pessoa)
"Eu não possuo o meu corpo. Como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma. Como posso possuir com ela? Possui alguém o rio que passa? Possui alguém o vento que passa? Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?"

( Fernando Pessoa ).

terça-feira, 20 de abril de 2010

22 DE ABRIL

ESSE MÊS EM DIA QUE NÃO CONSEGUIMOS CONFIRMAR, NO ANO DE 500 d.C; VERIFICOU-SE TERRÍVEL ENCONTRO, ENTRE OS AGUERRIDOS EXÉRCITOS DA BEÓCIA E O DE CRETA.
VENCERAM OS CRETINOS, QUE ATÉ AGORA ESTÃO NO GOVERNO DE UM PAÍS LONGIQUO, BELO E EXTREMAMENTE DESIGUAL CHAMADO, BRASIL...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

trechos de cartas de Sêneca a Lucilio

"[...]reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.

Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da morte!

Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando."



“Queres saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão! Ainda não estás em estado de freqüentá-la em segurança. Eu confesso-te sem rodeios a minha própria fraqueza: nunca regresso com o mesmo carácter com que saí de casa; algo do que já pusera em ordem é alterado, algo do que já conseguira eliminar, regressa! O mesmo que sucede aos doentes que uma longa debilidade não deixa ir a parte alguma sem recaída, nos acontece, a nós, cujo espírito se está refazendo de uma prolongada enfermidade. É-nos prejudicial o convívio com muita gente: não há ninguém que nos não pegue qualquer vício, nos contagie, nos contamine sem nós darmos isso. Por isso, quanto maior é a massa a que nos juntamos, tanto maior é o perigo.”



“Admito que é inata em nós a estima pelo próprio corpo, admito que temos o dever de cuidar dele. Não nego que devamos dar-lhe atenção, mas nego que devamos ser seus escravos. Será escravo de muitos quem for escravo do próprio corpo, quem temer por ele em demasia, quem tudo fizer em função dele. Devemos proceder não como quem vive no interesse do corpo, mas simplesmente como quem não pode viver sem ele. Um excessivo interesse pelo corpo inquieta-nos com temores, carrega-nos de apreensões, expõe-nos aos insultos; o bem moral torna-se desprezível para aqueles que amam em excesso o corpo.”


“O homem forte vê; reconhece que o ferimento que aceita é um mal. Não falseia a realidade nem inverte seu valor, saboreia-a como ela realmente é: não ama a morte, não despreza a vida. A fortaleza pressupõe, em certo sentido, que o homem tema o mal; a sua essência não está em não experimentar qualquer sensação de medo, mas em não se deixar dominar por ele ao ponto de chegar a abster-se de realizar o bem.”

“Portanto, fortaleza não significa ausência de medo. É forte todo aquele que, embora sentido medo de males não extremos e transitórios, não se deixa convencer a renunciar aos bens últimos e intrínsecos e aceita incondicionalmente a coisa que teme."

sábado, 17 de abril de 2010

POEMAS DE DIOGO CINTRA

Dama cósmica

Acorde-me com o ouro vulgar

da existência, mostre-me os

jardins, que sorriem metáforas


Moinhos não movem sonhos,

O sol egocêntrico não diz

palavras, as chuvas de

verbos não conjugam a

alma!


A não alfabetizada essência

recita piedade, no fim da

noite dança a liberdade


Em seu pranto em forma

de canção, em seu manto

feito dos estilhaços da razão


Envolva-me no vinho prometido,

Encarcere-me na fuga da vaidade,

Um travesseiro de céu para dormir,

algo que me prenda nesse espelho

de papel...


Inverno


O céu está igual ao horrível

céu da igreja de *Aveurs-sur-Oise

Tinta espessa invade meus

pulmões!


Netuno envolve os caixotes

vermelhos nas colinas!

Das árvores caem folhas

de moedas e cinzas!


Santos de areia calmos

como uma baía de silêncios

conduzem-me a um purgatório

de saborosas maravilhas...


* Van Gogh - L'EGLISE D'AUVERS-SUR-OISE

(A igreja de AUVERS-SUR-OISE - bairro parisiense)


Desaparecido

Quanto tempo esperei em minha torre de vento?

Vozes bebi na margem do rio, sem nenhuma

alma livre para dar-me um beijo cor de lis.


Que venha a minha chuva de redenção!

Escuto a transpiração do céu que leva

a esperança em seus longos cabelos

festejados pelas ruas da perfeição.


Que venha a supressão do meu ouro

e possa ver meus anjos de kryptonita

evaporando da cabeça da noite!


Que uma santa de ópio toque meus olhos

e os corações dos batentes que se calam

nos espelhos soberanos da felicidade.


Que venha! Com os silenciosos verbos

solares da meia noite e possa ver-te

flutuando sobre as mais lindas cores...


Poeta de mentira

Rato descobrindo tesouros,

louca psicose ilustrada de

aborto, grito embebido

voando para o poço


Muitos preferem chorar

prefiro encenar, lágrimas

são lidas no chuveiro, ego

de ouro, cavalo de ferro


Fumei versos, acordei no

carnaval, inconsciente coletivo

relógio surreal


Pobre Babilônia a deixei

com insônia ! Fiz o sol beijar

a lua, o incesto continua


Amanhã serei ladrão com

alma de cego; delinqüente mão

risonha, galhofas em

noite incandescente


Ninguém a aplaudir, olhos

a ferir, foguete a mentir

Demagogo buraco onde

o sol padeceu deitado,

em um dia de assalto.

MEU BOM E VELHO AMIGO DIOGO CINTRA.

Desaparecido


Quanto tempo esperei em minha torre de vento?

Vozes bebi na margem do rio, sem nenhuma

alma livre para dar-me um beijo cor de lis.


Que venha a minha chuva de redenção!

Escuto a transpiração do céu que leva

a esperança em seus longos cabelos

festejados pelas ruas da perfeição.


Que venha a supressão do meu ouro

e possa ver meus anjos de kryptonita

evaporando da cabeça da noite!


Que uma santa de ópio toque meus olhos

e os corações dos batentes que se calam

nos espelhos soberanos da felicidade.


Que venha! Com os silenciosos verbos

solares da meia noite e possa ver-te

flutuando sobre as mais lindas cores...

sábado, 3 de abril de 2010

FELIZ PÁSCOA...

OS HOMENS JAMAIS FAZEM O MAL TÃO COMPLETAMENTE E COM TANTA ALEGRIA,
COMO QUANDO O FAZEM A PARTIR DE UMA CONVICÇÃO RELIGIOSA.
( BLAISE PASCAL ).


A FALSIDADE TEM UM INFINIDADE DE COMBINAÇÕES, MAS A VERDADE SÓ TEM UM JEITO DE SER.
( JEAN JACQUES ROSSEAU ).


NADA NOS DEIXA MAIS SOLITÁRIOS DO QUE NOSSOS SEGREDOS...
( PAUL TOURNIER ).


DUAS ESTRADAS SE BIFURCARAM NO MEIO DA MINHA VIDA,
OUVI UM SÁBIO DIZER.
PEGUEI A ESTRADA MENOS USADA.
E ISSO FEZ TODA A DIFERENÇA CADA NOITE E CADA DIA.
( LARRY NORMAN ).


QUEM DECIDE SE COLOCAR COMO JUIZ DA VERDADE E DO CONHECIMENTO É NAUFRAGADO PELA GARGALHADA DOS DEUSES...
( ALBERT EINSTEIN ).

quarta-feira, 31 de março de 2010

Por quê?
É que meu coração, em meio às delícias,
De uma lembrança ciumenta constantemente oprimido…
Indiferente á felicidade presente, vai procurar tormentos….
No futuro e no passado.

Alex Dumas

ÁLVARO DE CAMPOS

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido,
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso, e foi afinal o melhor de mim, é que nem os Deuses fazem viver…
Se em certa altura
Tivesse voltado para esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também….

POSE / ENGENHEIROS

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Soberania da Alma

A alma sabe que as verdadeiras riquezas não se encontram onde nós as amontoamos: é a alma que nós devemos encher, não o cofre! Àquela devemos nós conceder o domínio sobre tudo, atribuir a posse da natureza inteira de modo a que os seus limites coincidam com o oriente e o ocaso, a que a alma, identicamente aos deuses, tudo possua, olhando soberanamente do alto os ricos e as suas riquezas – esses ricos a quem menos alegria proporciona o que têm do que tristeza lhes dá o que aos outros pertence! Quando se eleva a tais alturas, a alma passa a cuidar do corpo (esse mal necessário!), não como amigo fiel, mas apenas como tutor, sem se submeter à vontade de quem está sob sua tutela.
Ninguém pode simultaneamente ser livre e escravo do corpo: para já não falar de outras tiranias que o excessivo cuidado com ele nos impõe, a soberania do corpo tem exigências que são autênticos caprichos. A alma desprende-se dele ora com serenidade, ora de firme propósito – busca a sua saída sem se importar com a sorte dessa pobre coisa que para aí fica! Nós não ligamos importância aos pêlos da barba ou aos cabelos que acabámos de cortar; do mesmo modo, à nossa alma divina, ao preparar-se para abandonar o corpo, de nada importa a sorte dada ao seu invólucro – se o fogo o consome, se a terra o cobre ou as feras o despedaçam; para ela, isso tem tanta importância como para o recém-nascido a placenta.

Séneca, in ‘Cartas a Lucílio’

NINGUÉM PERMANECE SATISFEITO COM O QUE TEM.

Ninguém permanece satisfeito com o que tem, olhando para o que é dos outros; é por isso que nos iramos até contra os deuses quando alguém nos ultrapassa, esquecidos dos homens que ficam para trás; e, quando há poucos homens para invejar, aqueles que seguem atrás de nós são invejosos terríveis. Mas o homem é tão mesquinho que, mesmo tendo recebido muito, considera-se injuriado se pudesse ter recebido mais. (…) Sobretudo, agradece aquilo que recebeste; aguarda pelo restante e alegra-te por não estares ainda satisfeito: é um prazer haver algo por que esperar. Venceste todos os homens: alegra-te por seres o primeiro no coração do teu amigo; foste vencido por muitos: considera quantos homens estão atrás de ti, mais do que quantos estão à tua frente. Queres saber qual é o teu maior vício? Fazes mal as contas: valorizas demasiado o que te oferecem, mas desvalorizas o que tens.
Séneca, in ‘Da Ira’

COM ÁGUA PELO PESCOÇO.

“Procuraste a carga mais pesada" – diz Nietzche no- encontra-te a ti mesmo. No grande mosaico em que cada pedra é um dia, uma dor, um sofrimento, uma experiência, pouca coisa parece formar tão bem um desenho coerente quanto a opera magna da descoberta do mundo pela revelação do descobridor. Não se trata de um calembur intelectual ou de um enigma para pessoas cultas, mas da constatação de um sentido para esse conjunto de coisas que jamais deixamos de acreditar que obedecem a uma coerência. A clareza que exigimos para examinar o que a esfinge da vida propõe todo o tempo é mais do que simples objetividade é resposta. A intuição pura de Nietzche percebe que a carga só é pesada porque não nos encontramos momento a momento, preferindo esperar um instante de redenção, após o qual nada será como antes. A descoberta fundamental, no entanto, não é uma culminância, é um processo. Em carta de 1930, Hermann Hesse encaminha o assunto de maneira mais inspirada. “As sabedorias e possibilidades de salvação não estão ai para serem ensinadas e também não para assunto de conversa, senão para aqueles a quem a água já chegou ao pescoço”. Não é um tema para ser meditado na Semana Santa, mas uma realidade a ser percebida quando o homem se dá conta do que significa perceber, e das implicações que isso certamente tem em sua vida. A palavra salvação está suficientemente comprometida com um dilúvio de afirmações desencontradas, para merecer algum crédito. Melhor é falar em conhecimento, a abordagem de alguma coisa que não conhecíamos anteriormente. Quando se faz disso um passatempo, uma ocupação de pessoas pretensamente inteligentes, resta muito pouco a descobrir. Aquele “desenho coerente” que podemos encontrar no mosaico da vida está intimamente ligado com o que somos. Jorge Luiz Borges tem uma pequena história que usa a mesma analogia: um pintor tenta condensar num imenso painel o mundo, e ao fim do trabalho, quando se distancia para observar o conjunto, descobre que desenhou o próprio rosto. Seria mascarar a realidade dizer que existe um preparo para essas descobertas, qualquer coisa como uma iniciação. Quando a “água já chegou ao pescoço” de alguém, isto é, quando todas as ilusões foram gastas e nem mesmo a desilusão (essa manifestação vaidosa do cansado) permanece, há como que um vazio profundamente criativo. Esse é o ponto, e tudo que se pode dizer dele é quea idéia de fazer alguma coisa, de prosseguir segundo um método, morre ali. A carga mais pesada de que falava Nietzche deixa de existir. Nada disso, como em geral todo o resto, é definitivo e estável. Se o velho Adão recobra o fôlego e tenta uma classificação inteligente, não há vazio nenhum na medida em que há alguém tagarelando. A linha de pensamento a que estamos habituados tem uma porção de objeções a opor, a essa altura: em que consiste tudo isso? Para quê? Por que complicar as coisas? Por que não fazer uma exposição simples e metódica do assunto? “Segundo a minha experiência – afirma Hermann Hesse, numa de sua cartas – o elemento mais irritante e destruidor dos homens é aquele impulso baseado na preguiça de pensar e na necessidade de permanecer em paz, que leva para o coletivo, para a explicação racional, para a vulgaridade subordinada à dogmática rigorosa, seja ela política ou religiosa”. O hábito precisa ser entendido, em seu mecanismo implacável, para que seja possível vislumbrar um pouco além do cotidiano. As exposições racionais e metódicas valem para uma infinidade de circunstâncias e são de imensa importância na vida, mas nos casos em que o racionalismo e o método transformaram-se em biombos, escondendo a realidade em nome da busca dessa realidade, tudo muda de figura. A técnica, a cultura, o conhecimento acumulado são pouco ágeis e sutis para um empreendimento tão delicado quanto à abordagem do real, nesse “fio da navalha” que é o momento presente. Não há retórica na conclusão de que essas descobertas só podem acontecer agora – não ontem, nem dentro em pouco. O fio do momento que passa (e que ainda não passou) existe entre duas vertentes e é o único pedaço do tempo que conhecemos de fato. O que as escolas e correntes dizem disso pode ser interessante, mas desvia atenção do assunto e “verbaliza” ainda mais o pensamento. Não há nada que a erudição possa fazer para ajudar, no caso, mesmo porque ela costuma ser prolixa, principalmente quando usada como alavanca nos truques de auto-afirmação. Essa é a carga mais pesada porque exige resistência e leveza, que freqüentemente se excluem. É preciso resistir ao peso dos hábitos mentais, do costume social, dos modismos de todo tipo, sendo ao mesmo tempo flexível como um florete, e penetrante como ele. Há preconceitos demais cercando o simples e o fundamental em nossa vida comum. Temos o espírito vergado para direções eterminadas e quanto mais antiga a pressão, pior a luta para identificar o desvio. Não se trata de corrigir, mas de identificar. A isso seria possível chamar de “revolução mágica”, se a expressão não fosse muito publicitária: o conhecimento modifica em profundidade. São João Evangelista disse isso de um modo, Freud de outro. Os preconceitos que cercam o simples e o fundamental são gerados pela ignorância. Não pela falta de dados acumulados – que isso qualquer computador pode fazer e nem por isso é sábio -, mas pelo desconhecimento do emaranhado de causa e efeito em que vivemos, em meio ao qual pensamos ser perfeitamente lógicos e racionais."

Luiz Carlos Lisboa

NOITE

Há tantas coisas germinando na noite, que nem sei como enumerá-las. À noite nascem as revoluções tanto as que vão triunfar como as que só se realizam em pensamento, e são quase todas. Os revolucionários viram-se, inquietos, na cama. E também os que se converterão, pela manhã, a religiões novas. E os amorosos. Análises emocionais levadas ao extremo da tortura arrastam-se pela horas lentas da noite. Como a noite é rica! A noite é o tempo de não dormir; é o de velar e procurar; de criar mundos.

Demétrio quis prolongar a noite obturando todas as frestas do quarto, para que não entrasse a luz. Luz não entrou. Demétrio gozou da noite plena, continuada, e todos os pensamentos lhe floresciam. Construiu sistemas filosóficos. A escuridão era propícia a teorias políticas. Nenhum crítico foi mais perspicaz do que Demétrio, na literatura e nas artes. Aquela noite era fantástica. Demétrio quis experimentar as sensações de horror, êxtase, humilhação, glória, poder e morte. Morreu, mesmo no escuro. Tendo sentido a morte em seu interior físico, não pôde mais tirá-la de si. É o único morto, conscientemente morto, de que já ouvi falar nesta vida. A noite é fantástica.

Carlos Drummond de Andrade

para aliviar meu fardo (charles bukowski)

" você pode não acreditar nisto,
mas há pessoas que passam pela vida
com muito pouca fricção de angústia.

elas se vestem bem, dormem bem.
elas estão contentes com sua família.
com a vida.
elas são imperturbáveis e
frequentemente se sentem muito bem.

e quando elas morrem
é uma morte fácil,
normalmente durante o sono.

você pode não acreditar nisto,
mas tais pessoas existem.
mas eu não sou nenhuma delas.
oh não, eu não sou nenhuma delas.

eu não estou nem mesmo
próximo de ser uma delas.
mas elas estão lá... "

(charles bukowski).
irremediável.

querer te preservar
proteger tua lembrança
manter viva tua presença
como uma frágil vela acesa
tremulando sob o vento forte
que logo trará a tormenta
sabendo que nada que se faça
jamais será outra vez como antes
sentimento que perdeu o foco
um navio vagando à deriva
nuvens que turvam os céus
pois nada que se tente poderá
salvar o que nunca existiu.
 dani weber

ÁPHIOS

QUEM NOS FEZ TÃO BONS, AO PONTO DE CRER QUE HÁ SERES INFERIOR A NÓS ???

terça-feira, 23 de março de 2010

O PEQUENO PRINCIPE

"Que planeta engraçado!", pensou então. "É completamente seco, pontudo e salgado. E os homens não têm imaginação. Repetem o que a gente diz... No meu planeta eu tinha uma flor; e era sempre ela que falava primeiro."

Mas aconteceu que o pequeno príncipe, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as estradas vão todas em direção aos homens.

- Bom dia! - disse ele.

Era um jardim cheio de rosas.

- Bom dia! - disseram as rosas.

Ele as contemplou. Eram todas iguais à sua flor.

- Quem sois? - perguntou ele espantado.

- Somos as rosas - responderam elas.

- Ah! - exclamou o principezinho...

E ele se sentiu profundamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ele era a única de sua espécie em todo o Universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim!

"Ela teria se envergonhado", pensou ele, "se visse isto... Começaria a tossir, simularia morrer, para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ela seria bem capaz de morrer de verdade..."

Depois, refletiu ainda: "Eu me julgava rico por ter uma flor única, e possuo apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que não passam do meu joelho, estando um, talvez, extinto para sempre. Isso não faz de mim um príncipe muito poderoso..."

E, deitado na relva, ele chorou.


E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia - disse a raposa.

- Bom dia - respondeu educadamente o pequeno príncipe, olhando a sua volta, nada viu.

- Eu estou aqui - disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu? - Perguntou o principezinho. - Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa - disse a raposa.

- Vem brincar comigo - propôs ele. - Estou tão triste...

-Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa - disse o principezinho.

Mas, após refletir, acrescentou:

- Que quer dizer "cativar"?

- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?

- Procuro os homens - disse o pequeno príncipe. - Que quer dizer "cativar"?

- Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?

- Não - disse o príncipe. - Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?

- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. Significa "criar laços"...

- Criar laços?

- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...

- É possível - disse a raposa. - Vê-se tanta coisa na Terra...

- Oh! Não foi na Terra - disse o principezinho.

- A raposa pareceu intrigada:

- Num outro planeta?

- Sim.

- Há caçadores nesse planeta?

- Não.

- Que bom! E galinhas?

- Também não.

- Nada é perfeito - suspirou a raposa.

( SAINT EXUPÉRY ).
A Filosofia pode auxiliar uma pessoa a ser feliz?

Leia o que pensa o filósofo francês André Comte-Sponville.

Filosofar é pensar sua vida e viver seu pensamento. Em que medida isso pode nos aproximar da felicidade? Ficando mais perto da verdade, nós nos libertamos de várias ilusões e esperanças tolas. Isso nos ajuda a amar a vida mais do que amar a felicidade, a verdade mais do que a fantasia, o amor mais do que a fé ou a esperança. Os maiores mestres são, a meu ver, Epicuro (de Samos, filósofo grego dos séculos IV e III a.C.), (Michel) Montaigne (filósofo francês do século XVI) e (Baruch) Spinoza (filósofo holandês do século XVII). Quanto a mim, já me expliquei longamente em meu Tratado do Desespero e da Beatitude e, de maneira mais resumida, em Felicidade, Desesperadamente.
Tudo depende do que se entende por felicidade. Se você busca uma alegria contínua e soberana, ou mesmo a ausência total de sofrimento e angústia, certamente nunca será feliz. "Toda vida é sofrimento", dizia Buda. E tinha razão. A felicidade, se a entendemos como uma alegria completa, é apenas um sonho, que nos separa do contentamento verdadeiro. Em busca da felicidade absoluta, nós nos proibimos de viver as felicidades relativas e nos tornamos infelizes. Se, ao contrário, você entender como felicidade o fato de não ser infeliz ou simplesmente de poder desfrutar algumas alegrias, a felicidade não é impossível. E você será feliz somente por não ser triste. À exceção, claro, nos momentos mais difíceis da vida.