sábado, 22 de janeiro de 2011

Um judeu ateu é sempre um drama maior do que qualquer ateu, porque se assemelha à agonia de um vulcão
LUIZ FELIPE PONDÉ (FOLHA DE SÃO PAULO – 18 outubro 2010)



UM HOMEM deve reconhecer seus ancestrais. Existem várias formas de ancestralidade. Nossos autores prediletos são nossos patriarcas.

O primeiro texto que me marcou foi a Bíblia. Abraão e sua solidão diante de um Deus que armou sua tenda no deserto me deram um senso estético que nunca perdi. Seus profetas, num combate contínuo contra a estupidez do povo, fizeram de mim um cético com relação às virtudes populares.

Na medicina, Freud foi um encontro definitivo: o homem é um barco à deriva num mar de pulsões autodestrutivas. Vive como pode num mundo onde sua felicidade não parece fazer parte dos planos do Criador. O Deus do ateu Freud é arrasador. Um judeu ateu é sempre um drama maior do que qualquer ateu, porque se assemelha à agonia de um vulcão.

Já na filosofia, o viés trágico se impôs com a descoberta de Nietzsche e sua filosofia do martelo, cujo desprezo mortal pela covardia e pelo ressentimento se tornou em mim uma segunda natureza. Sua política, uma espécie de anarquismo aristocrático, é sempre perigosa para os amantes dos rebanhos.

O ceticismo dos gregos, de Montaigne e de David Hume abalou para sempre minha capacidade de fé na razão, não em Deus, como pensa a vã filosofia.

Nunca acreditei muito no ser humano: considero o otimismo, principalmente hoje em dia, um desvio de caráter. Santo Agostinho e Pascal, cristãos pessimistas, me ensinaram que o cristianismo é uma história do homem combatendo ingloriamente (e cotidianamente) sua natureza afogada no mais sofisticado orgulho e na mais profunda inveja (de Deus). Quando me perguntam qualquer coisa sobre o ser humano, antes de tudo, penso como um medieval: os sete pecados capitais estão quase sempre certos. Somos pó que fecha os olhos diante do vento.

Dostoiévski é sempre essencial. Para mim, uma de suas descobertas capitais é que, ao contrário do que diz nossa miserável ciência da autoestima, apenas quando encaramos o mal (a “sombra” de uma espécie abandonada ao próprio azar) em nós é que recuperamos a vontade de viver. Só esmagando o orgulho com a humildade de quem se sabe insignificante é que vale a pena apostar no dia a dia.

Entre Nietzsche e Dostoiévski, aprendi que o niilismo, “esse incômodo convidado para o jantar”, veio pra ficar e é apenas diante dele que vale a pena exercer a filosofia.

E o judeu Rosenzweig? Definitivo para quem pressente que a metafísica nada mais é do que pensamento mágico a serviço do medo da morte. E que não é a esperança mágica que deve nos guiar, mas a percepção de si mesmo como milagre em meio ao pó que em nós estremece. Rosenzweig pensa como o homem bíblico.

Quando “decidi” que a academia era pequena sem a mídia, os “jornalistas filósofos” passaram a marcar meu horizonte profissional. Otto Maria Carpeaux descreveu a imagem máxima da relação entre espírito e corpo: quando o primeiro se levanta, o segundo se põe de joelhos.

Nelson Rodrigues, que estava certo em tudo que falava, escrevendo uma obra entre Santo Agostinho, Dostoiévski e Freud, iluminou um fato consumado: se o mineiro for solidário apenas no câncer, então tudo é permitido.

E finalmente a praga da “fé política”. Contra essa, Edmund Burke e Tocqueville são bálsamos essenciais. Tocqueville, principal referência para entendermos a democracia, nos alertou para a natural vocação que esta tem para uma nova forma de tirania, a tirania da maioria. Antes de tudo, a democracia fez os “idiotas” (expressão rodriguiana) descobrirem que são maioria.

Burke nos lembrou, contra os que “amam a moda”, que a sociedade é uma comunidade moral de almas, que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. Para Burke, é apenas neste arco de ancestralidade que o homem se faz homem, contra a banalidade do presente que nos assola.

Enfim, quem conhece sua ancestralidade, mesmo quando caminhando no vale das sombras, nunca está só.
O poeta russo Joseph Brodsky, em seu monumental “Discurso Inaugural”, afirma que sobre o bem devemos falar sempre entre poucas pessoas. Sobretudo porque, quando falamos para muitas pessoas, a chance de que muitas delas sejam más é enorme, justamente porque são muitas. Mesmo que jurem sinceridade, ainda assim devemos desconfiar, pois os sentimentos falsos são comuns nas pessoas e, quando multiplicamos seu número, multiplica-se exponencialmente a possibilidade de falsos sentimentos. Mas não vou falar aqui do bem nem do mal. Talvez haja, afinal, alguma relação entre o pequeno objeto deste ensaio e o bem e o mal, do contrário não teria assim pensado. Mas deixemos isso para lá. Corramos o risco. O que nesta analogia conscientemente me importa é o número de pessoas: espero que apenas umas três ou quatro pessoas leiam este ensaio. E por que esse meu desejo de ser lido por poucos? Porque pretendo falar de algo que não se deve falar para multidões. A delicadeza, a sofisticação da alma, o amor ao detalhe e a vontade de entender não são atributos das multidões, e aqui reside grande parte de toda a miséria moderna, ser um mundo de grandes números, dedicado a muitos idiotas.

(Luis Felipe Pondé “No Sinai”, Contra um Mundo Melhor, Ed. LeYa, 2010, p. 214-215)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ESPECIALISTAS, COMO ME CANSAM.

VOCÊ SEMPRE TEVE VÁRIAS REPOSTAS.
MAS, APENAS ALGUMAS,
MESMO DETURPADAS OU COM UM TANTO DE SEU SENTIR E PERCEBER.
VIERAM DE ENCONTRO AS MINHAS PERGUNTAS.