segunda-feira, 23 de julho de 2018

Quarto de Despejo. Diário de uma favelada.


“Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.”

“Para mim o mundo em vez de evoluir está retornando a primitividade. Quem não conhece a fome há de dizer: “Quem escreve isto é louco”. Mas quem passa fome há de dizer:
-Muito bem, Carolina. Os generos alimenticios deve ser ao alcance de todos.”

“Como é horrível ver um filho comer e perguntar: ‘Tem mais?’. Esta palavra “tem mais” fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais.”

“Hoje é o aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu não posso fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço. Só jantar.”

“Hoje estou mais disposta. Ontem supliquei ao Padre Donizeti para eu sarar. Graças a Deus que atualmente os santos estão protegendo. Porque não sobra dinheiro para eu ir no medico.”

“Fui na dona Nenê. Ela estava na cosinha. Que espetaculo maravilhoso! Ela estava fazendo frango, carne e macarronada. Ia ralar MEIO queijo para por na macarronada! Ela deu-me polenta com frango. E já faz uns dez anos que não sei o que é isto. Na casa de dona Nenê o cheiro de comida era tão agradavel que as lagrimas emanava-se dos meus olhos (...)”

“Eu estava pagando o sapateiro e conversando com um preto que estava lendo um jornal. Ele estava revoltado com um guarda civil que espancou um preto e amarrou numa árvore. O guarda civil é branco. E há certos brancos que transforma preto em bode expiatorio. Quem sabe se guarda civil ignora que já foi extinta a escravidão e ainda estamos no regime da chibata?” (nota: isso foi escrito em 1958. De lá pra cá, nada mudou. Carolina Maria de Jesus).

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