quarta-feira, 10 de novembro de 2010

‘(…) Não posso perder meu tempo indagando sobre o mal e o pernicioso, seu interesse é sempre mediano no melhor dos casos e com frequência nulo, garanto, já vi muitos. O mal costuma ser simples, embora às vezes não tão simples, se você é capaz de apreciar a nuance. Mas há indagações que mancham, e há as que contagiam sem dar nada de valioso em troca. Existe hoje um gosto em se expor ao mais baixo e vil, ao monstruoso e ao aberrante, em contemplar o infra-humano e em roçar nele como se tivesse prestígio ou graça ou maior importância que os cem mil conflitos que nos assediam sem cair nisso. Há nessa atitude um elemento de soberba também, mais um: afundamos na anomalia, no repugnante e mesquinho como se nossa norma fosse a do respeito, da generosidade e da retidão e houvesse que analisar microscopicamente quanto se sai dela: como se a má-fé e a traição, a hostilidade e a vontade de prejudicar não fizessem parte dessa norma, fossem coisas excepcionais e merecessem por isso todos os nossos desvelos e a nossa máxima atenção. Mas não é assim. Isso tudo faz parte da norma e não tem maior mistério, não maior que a boa-fé. Mas esta época é dedicada à tolice, às obviedades e ao supérfluo, e assim vamos. As coisas deveriam ser o contrário disso: há ações tão abomináveis ou tão desprezíveis que seu mero cometimento deveria anular qualquer curiosidade possível em relação aos que cometem, em vez de criá-la ou suscitá-la, como tão imbecilmente acontece hoje. (…)’
trecho de seu rosto amanhã. (Javier Marias ).

Nenhum comentário: