sábado, 6 de junho de 2015

Cursos de vivência indígena: Valorização da cultura ou um Produto para o mercado?

05 de Junho de 2015
A demanda pela busca de cursos de vivência indígena cresceu, com a popularidade de algumas iniciativas e encontros multiétnicos espalhados não apenas pelo Brasil mas no mundo.

O que mais chama atenção do público é a oportunidade de conhecer diferentes culturas indígenas. As cores, fotos e convites em cenários com paisagens naturais deslumbrantes desperta curiosidade de consumidores culturais que em sua maioria desconhecem os impactos causados nas culturas. Existe muita diversidade de povos e culturas no Brasil, povos com diferentes tempos de contato, alguns séculos outros apenas poucos anos.

Iniciativas autônomas realizadas pelos próprios indígenas são importantes para autonomia, mas até que ponto as iniciativas de não indígenas em realizar pacotes de vivência é positiva para as populações ? Uma pergunta que vem sendo feita por muitas pessoas.

Em 2013 o agente agroflorestal, realizador indígena da etnia Huni Kuin e Associação do Povo Indígena do Rio Humaita (ASPIRH), Nilson Saboia, Tuwe Huni Kuin, escreveu um texto com depoimentos reflexivos sobre o que ocorre com os saberes espirituais de seu povo quando algumas pessoas em outras partes do país realizam cerimonias não autorizadas, realizadas por indígenas aliciados ou não indígenas.  

"São muitos os charlatões que tentam falar falsamente em nome de meu povo. Chega-se, inclusive, a criar um grande misticismo, falsas filosofias, biopirataria, rituais e vários outros artifícios para enganar pessoas que sentem um vazio nas suas vidas e tem um respeito pelos povos indígenas. O resultado é muito longe do esperado, tanto para as pessoas que procuram esse tipo de resposta que não resolvem seus problemas, quanto para os índios que são aliciados por gente mal intencionada.

Isso é parte de um enquadramento via mercado de meu povo. Onde isso deu certo com os Povos da Natureza? Na Ásia, na África, nas Américas, na Oceania? Existe um só lugar nesse vasto mundo que isso não resultou em escravidão (ou assalariamento precário), enganação, roubo de terras, mortes e perda de identidade dos povos originários?

Por trás disso tudo várias motivações: a intolerância, a ambição pelo lucro, a ignorância, a desfaçatez e etc. Sentimentos que meu povo originariamente não está acostumado a viver e sentir, frutos de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem que nos impedem de alcançar a felicidade e a harmonia com nosso meio.

Nossa cultura não cabe num lugar que não seja nosso próprio mundo. Precisamos simplesmente ser nós mesmos em nossa própria Aldeia. Quando saímos desse universo é para mostrar que precisamos ser respeitados e não virar mercadoria ou peça de exposição. Nossa cultura fora de nosso próprio mundo só pode ser apresentado como uma resistência ao seu extermínio.

(There are many charlatans who try to speak falsely on behalf of my people. You reach the create a great mysticism, false philosophies, biopiracy, rituals and several other tricks to fool people who feel a void in their lives and have a respect for indigenous peoples. The result is far from the expected, both for people seeking this type of response that do not solve their problems, and the Indians who are enticed by malicious people. This is part of a framework via the market of my people. Where it worked with people of nature? In Asia, Africa, the Americas, Oceania? There is one place in this vast world that it did not result in slavery (or part-time wages), deception, theft, deaths and loss of identity of native peoples? Behind this several reasons: intolerance, greed for profit, the ignorance, the nerve and etc. Feelings that my people originally is not accustomed to live and feel, fruit of a society based on the exploitation of man by man that prevent us from achieving the happiness and harmony with our environment. Our culture does not fit in a place other than our own world. We need to just be ourselves in our own Village. When we came out of this universe is to show that we need to be respected and not to turn the goods or part of the exhibition. Our culture out of our own world can only be presented as a resistance to their extermination)", depoimento de Tuwe Huni Kuin em texto de sua autoria vinculado nas redes sociais em 2013.

O saber ancestral é sagrado para os povos indígenas, cerimonias não apenas religiosas mas também culturais vem sendo realizadas em muitos locais mas nem todas são autorizadas pelas comunidades ou lideranças dos povos. Mostrar a cultura por meio de vivências organizadas por não indígenas muitas vezes acaba atropelando em algum momento não apenas costumes mas a própria essência cultural indígena. É um tema polêmico e pouco exposto mas extremamente necessário para reflexão do público.

A banalização das culturas por meio de não indígenas é vista com preocupação por anciões que temem que indígenas não preparados passem a ver suas próprias culturas como meras representações teatrais no palco e mercado exótico não indígena. Mostrar a cultura é uma importante forma de difusão cultural mas é de extrema responsabilidade.

Muitos grupos de dança indígena realizam trabalhos de difusão cultural autorizados por suas comunidades ou lideranças. Em sua maioria indígenas e grupos autônomos realizam o trabalho de forma a contribuir para seus povos, o alvo de críticas vem sendo a apropriação de não indígenas e indigenistas como mentores de indígenas ou interlocutores em determinados projetos. É fundamental que aqueles que pagam valores muitas vezes elevados para viver essas vivências saibam como elas estão sendo realizadas e o que as comunidades, indígenas ou povos envolvidos ganham com isso ou não.

Redação Yandê

Um comentário:

DANIELA BORALI disse...
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