quinta-feira, 24 de março de 2011

No fundo, como bem dizia aquele seu amigo que foi agarrado pelo louco da navalha, no fundo nada de extrordinário pode acontecer conosco, nada que valha a pena contar. Quero dizer que, na realidade, é fato que nunca acontece nada conosco. Todos os acontecimentos que podemos contar sobre nós mesmos não passam de manias. Porque em suma o que podemos chegar a ter na vida senão duas ou três experiências? Duas ou três experiências, não mais que isso (às vezes, inclusive, nem isso). Já não há experiências (no século XIX havia?), só ilusões. Todos nós inventamos variadas histórias para nós mesmos (que no fundo são sempre a mesma) para imaginar que aconteceu alguma coisa conosco na vida. Uma história ou uma série de histórias inventadas, que no fim são a única coisa que na realidade vivemos. Histórias que contamos para nós mesmos com o objetivo de fazer de conta que temos experiências ou que aconteceu alguma coisa que tenha sentido em nossa vida. Mas quem pode garantir que a ordem do relato é a ordem da vida? Dessas ilusões somos feitos, querido mesmo, como o senhor sabe melhor do que eu".

Ricardo Piglia. Respiração artificial.