segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Desejo e Dor: A Perda do Futuro*

O filósofo francês Gilles Deleuze, conhecido entre outros outros ¨títulos¨ como o ¨filósofo do desejo¨, afirma que nunca se deseja um objeto ou uma pessoa, mas um agenciamento. Para ele, por exemplo, nunca se deseja uma mulher, mas deseja-se uma mulher e uma paisagem por trás da mesma. Se deseja-se uma pessoa, deseja-se toda uma situação em que essa pessoa se insere. Talvez se trocássemos a paisagem, o desejo sumiria. Mais do que pessoa ou objeto, deseja-se um agenciamento, uma situação, um contexto.

Quando se deseja um objeto, cria-se automaticamente uma imagem do uso, mesmo que contemplativo, desse objeto. Obviamente que os marketeiros de plantão devem ter entendido esse recado, pois para vender o carro do ano, criam propagandas de indivíduos felizes dentro do carro, com uma bela mulher ao lado, em paisagens ou situações agradáveis. Não se deseja o carro, deseja-se uma situação que só poderia ser possível com o carro. Pelo menos essa é a mensagem subliminar das propagandas. Mas não é meu objetivo, pelo menos nessa reflexão, me debruçar criticamente sobre essas estratégias de marketing. Vale a pena apenas entender que não se vendem mais apenas produtos, tenta-se vender estilos de vida e situações em que os produtos/serviços são fundamentais para ocorrerem, ou pelo menos quer se fazer crer que são.

O budismo afirma que é o desejo que leva ao sofrimento. Onde estaria a verdade dessa afirmação partindo dessa concepção deleuziana de desejo? Deixando os objetos de lado, porque será então que a perda de alguém que se gosta nos gera tanto sofrimento? Porque quando se perde um amor dói tanto? Porque quando se perde um ente querido o sofrimento é tão grande? Simplesmente porque se perde um pedaço do futuro. O futuro é um mar de possibilidades. Nessa variedade de possibilidades, muitas portas se fecham quando se perde alguém especial. Imagina-se uma multiplicidades de situações em que a presença de uma pessoa faria toda a diferença. Sem essa pessoa, nem valeria a pena a situação em si, pois não seria a mesma situação. Os planos do futuro que povoam o imaginário é que ficam destruídos sem determinada presença: não se perde só a pessoa, perde-se o futuro desejado com a pessoa.

Determinadas pessoas nos são tão especiais que fazem qualquer momento ser especial. Imagina-se que nunca mais os almoços serão alegres, pois era essa pessoa que deixava o almoço divertido. Imagina-se que assistir um filme nunca mais será a mesma coisa, pois era a companhia dessa pessoa que importava mais do que o filme em si. Imagina-se que as viagens planejadas não seriam mais prazerosas, pois não era a viagem em si que fazia a diferença, mas a viagem com aquela pessoa.

Nesse sentido, não se deseja um objeto ou uma pessoa isolada de um contexto, deseja-se uma multiplicidades de contextos em que pessoas e objetos se inserem. E quando se perde pessoas – e ao contrário dos objetos, pessoas são insubstituíveis – perde-se um pedaço do futuro. Para alguns, perde-se o futuro. Ou pelo menos aquele futuro que embora estivesse vivo apenas em projeções mentais, alimentava a vida no presente.

Por isso dói tanto perder alguém que se ama, já que mais do que simplesmente uma pessoa, perde-se a possibilidade de situações futuras que só seriam válidas ou desejáveis com aquela pessoa. Como nossa única certeza é o presente, vale a pena valorizar as pessoas, momentos e situações que nos fazem felizes, já que nada garante que isso perdure por muito tempo. E muitas coisas só são valorizadas quando perdidas, especialmente determinados momentos que só existem porque certas pessoas fazem serem únicos.

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