quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O sonho de um homem ridículo

Eu sou um homem ridículo. Agora eles me chamam de louco. Isso seria uma promoção, se eu não continuasse sendo para eles tão ridículo quanto antes. Mas agora já nem me zango, agora todos eles são queridos para mim, e até quando riem de mim - aí é que são ainda mais queridos. Eu também riria junto - não de mim mesmo, mas por amá-los, se ao olhar para eles não ficasse tão triste. Triste porque eles não conhecem a verdade, e eu conheço a verdade. Ah, como é duro conhecer sozinho a verdade! Mas isso eles não vão entender. Não, não vão entender.

Antes, porém, eu me sentia muito consternado por parecer ridículo. Eu não parecia, eu era. Sempre fui ridículo, e sei disso, talvez, desde que nasci. Talvez desde os sete anos já soubesse que sou ridículo. Depois fui para a escola, depois para a universidade, e ora - quanto mais estudava, mais aprendia que sou ridículo. De modo que todos os meus estudos universitários como que só existiram, afinal, para me provar e me explicar, à medida que neles me aprofundava, que sou ridículo. Assim como nos estudos, acontecia também na vida. A cada ano aumentava e se fortalecia em mim essa mesma consciência do meu aspecto ridículo em todos os sentidos. Todos riam de mim, o tempo todo. Mas ninguém sabia nem suspeitava que, se havia na Terra um homem mais sabedor do fato de que sou ridículo, esse homem era eu, e era justo isso o que mais me ofendia, que eles não soubessem disso, mas aqui o culpado era eu mesmo: sempre fui tão orgulhoso que por nada no mundo jamais iria querer confessar o fato a ninguém. Esse orgulho cresceu em mim ao longo dos anos, e se acontecesse de me deixar confessar, diante de quem quer que fosse, que sou ridículo, creio que imediatamente, na mesma noite, estouraria os miolos com um revólver. Ah, como eu sofria na adolescência com medo de não agüentar e de repente acabar de algum jeito me confessando aos amigos. Mas desde que me tornei moço, apesar de reconhecer mais e mais a cada ano a minha horrível qualidade, por um motivo qualquer fiquei um pouco mais tranqüilo. Por um motivo qualquer, justamente, porque até hoje não sei bem por que motivo. Talvez porque na minha alma viesse crescendo uma melancolia terrível por causa de uma circunstância que já estava infinitamente acima de todo o meu ser: mais precisamente - ocorrera-me a convicção de que no mundo, em qualquer canto, tudo tanto faz. Fazia muito tempo que eu vinha pressentindo isso, mas a plena convicção surgiu no último ano, assim, de repente. Senti de repente que para mim dava no mesmo que existisse um mundo ou que nada houvesse em lugar nenhum. Passei a perceber e a sentir com todo o meu ser que diante de mim não havia nada. No começo me parecia sempre que, em compensação, tinha havido muita coisa antes, mas depois intuí que antes também não tinha havido nada, apenas parecia haver, não sei por quê. Pouco a pouco me convenci de que também não vai haver nada jamais. Então de repente parei de me zangar com as pessoas e passei a quase nem notá-las. De fato, isso se manifestava até nas mínimas ninharias: estou, por exemplo, andando na rua e vou dando encontrões nas pessoas. E não era por andar mergulhado em pensamentos: sobre aquilo que eu tinha para pensar, já então cessara completamente de pensar: tudo me era indiferente. E se ao menos eu tivesse resolvido as questões; ah, não resolvi nenhuma, e quantas havia? Mas para mim tudo ficou indiferente, e as questões todas se afastaram.
(Fiodor Dostoiévsky).

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