quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Kirílov

Todos os heróis de Dostoievski se interrogam sobre o sentido da vida. É nisso que eles são moderno: não temem o ridículo. O que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos. Nos romances de Dostoievski a questão é apresentada' com uma tal intensidade que só pode levar a soluções extremas. A existência é mentirosa ou ela é eterna. Se Dostoievski se satisfizesse com esse exame, seria filósofo. Mas ele ilustra as conseqüências que esses jogos do espírito podem ter numa vida humana e é nisso que ele é artista. Entre tais conseqüências, é a última que o retém aquela que ele próprio, no Diário de um escritor, chamou de suicídio lógico. Nas folhas já prontas em dezembro de 1876 ele de fato imagina o raciocínio do "suicídio lógico". Persuadido de que a existência humana é uma perfeita absurdidade para quem não tem a fé na imortalidade, o desesperado chega às seguintes conclusões:

"Uma vez que, às minhas questões a respeito da felicidade, ele me declarou em resposta, por intermédio da minha consciência, que eu não posso ser feliz de outra maneira senão nessa harmonia com o grande todo, que não concebo e não estarei nunca em estado de conceber, evidentemente (...)”.

"(...) Uma vez que, enfim, nessa ordem das coisas, assumo ao mesmo tempo o papel da acusação e o da defesa, do réu e do juiz, e uma vez que acho essa comédia por parte da natureza inteiramente estúpida e que até considero humilhante da minha parte aceitar trabalhar nela (...)”.

"Na minha qualidade indiscutível de acusador e defensor, de juiz e réu, condeno essa natureza que, com uma tão impudente sem-cerimônia, me fez nascer para sofrer — eu a condeno a ser aniquilada junto comigo."
( REPAGINANDO DOSTOIÉVSKI ).

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