segunda-feira, 4 de outubro de 2010

E POR FALAR EM ELEIÇÃO...

ULTIMATUM
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Mandado de despejo aos mandarins da república fétida.

Fora!
Fora tu, reles esnobe plebeu,
E tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade.
Salada de raças em louça do século dezessete falsificada!
Alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da intimidade da Leopoldina
Epidemia miserável a matar de espera nas filas dos hospitais aqueles que te sustentam
E em todas as outras filas
Assassinos corruptos com olhos de vidro fosco
Visgo das dobras dos imperadores sujos vestidos de seu comércio sanguinário
Fora tu, e tu qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles todos

Fora!
Fora tu, vegetariano do paradoxo
Canibal tupi a mascar almas e sonhos
Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
Tu, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir

Estorvo, contraponto, acaso que só rende carmas
Tumor da galáxia, sopa salgada fria,
Tu, que sustentado por partidos intragáveis de tão partidos
Ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para garrafa da Complexidade!
Fora! Saiam todos da minha frente
Com suas verdades burras e suas vestes hipócritas
Monte de verme com cara de gente
Cerne de pus de origem maligna
O que aí está não tem cura
Degenera a democracia e as aspirações do bem
Assassinos da cidadania obsoleta, da cultura já putrefata
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo

Ultimatum a vós que rouba a gargalhar, a exibir as larvas de seus dentes amarelos
Vós, anarquistas deveras sinceros,
Tu, aleijado sem frente, que estás sempre de costas pro povo

Bando de socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhador
Para quererem deixar de trabalhar

Sim, todos vós que representais
Homens altos, baixos, gordos, carecas...
Com barbas de carrapatos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem isso tudo para casa
Descascar batatas simbólicas

Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
E todos os chefes de estado, e todos os ministros, e todo o senado de quimera
Incompetentes ao léu,
Bancários vigaristas, barris de lixo virados para baixo.
Saiam todos, eu vos expulso da minha vida, eu vos desprezo
Políticos, bandidos, reis, policiais, desembargadores de cadáveres indigentes

Todos vocês filhos da Insuficiência!

Fechem-me tudo isso a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais as janelas
Do que todas as janelas que há no mundo

Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão

Nenhuma atitude edificante

Nenhum motivo de orgulho por menor que seja
Tu só me envergonhas, país de esterco...
O mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está o apodrecer da vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada
Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um mundo novo
O que aí está é tudo mentira e descartável
Galo depenado com pele pintada de pena
Cultura podre com azeite de cristianismo e vinagre de servidorismo
Mistura de sub-raças e, no entanto, nenhuma castiça
Descendentes de pilantras, charlatãs, espertos
Resto da Monarquia porca a apodrecer República
Que até hoje não fundada.
Transatlântica nasal do modernismo inestético
Essa política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!

Fora todos!

Saiam já dessa terra que ainda tem seiva
Apesar do ácido das salivas dos mercenários terem deteriorado nossas classes
Saiam e vão para bem longe, de onde nunca vieram
De forma que não voltem mais

Resto de carne às moscas
Arte de réplicas, imitações baratas
Literatura da fome sendo devorada por ratos
Eu desrespeito todos vocês que não merecem sequer minha voz
Eu escarro nessa bandeira de pátria nenhuma
Pedaço de pano a forrar gaiolas de carcarás

Saiam todos da minha frente
Fora! Fora! Fora!

Vão com sua gente, seus parasitas sem línguas
Vão com seus dicionários inúteis caídos em desuso
E levem essa história medíocre de corrupção e propinas
E não deixem cá nem o pó de sua pele
Para que não atraia ninguém dos seus
Para não perpetuar sua linhagem de insetos carnívoros

Saiam!

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