quarta-feira, 7 de julho de 2010

[CSÖND ÉS SZO]


Atrás de tanques, de exterminadores,
sempre vagueiam o silêncio e a sombra
de algum quem sabe quem
– vitima? culpado? –
para anotar e logo dizer
o que se passou, o que foi.
E embora o morto já viverá mais,
dir-nos-á que existiu.

Sim, sou o silêncio, e se tivesse sido
outra coisa, não seria eu!
Não sou quem cantava e respirava.
Sou a luz dependurada no arame farpado.
Sou a bolha de ar debaixo do gelo.
Sou um tartamudo que canta
no bordo da cratera de uma bomba.


versão de JLBG e Juan Carlos Mellidez
a partir da tradução castelhana de György Ferdinandy,
Maria Teresa Reyes-Cortés e Jesús Tomé

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A filosofia também é poesia, mas não tão inconvenientemente a ponto de ressoar apenas a partir de um único sujeito. Ao contrário, ela é uma poesia interior, implantada no objeto, tal como a música das esferas celestes. Pois originariamente, é a coisa que é poética, só depois o é palavra."

Friedrich Wilheim.

MY FRIEND DIOGO CINTRA

Neverland

Bebi uma xícara
de fantasia em
uma nave de gelo

Lacaios encarceraram
meus olhos em
quilômetros de livros
cegos

Vasos e janelas empoeirados
pela vaidade, mendigos
acorrentados em espíritos
de palha

O egoísmo sorri para
sonhos em travesseiros
verdes

Utopias desfiguradas
sempre desaparecerão
enquanto existir
cárceres de liberdade...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Frases...

_Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais.

_Dirão, em som, as coisas que, calados,no silêncio dos olhos confessamos?

_Para temperamentos nostálgicos, em geral quebradiços, pouco flexíveis, viver sozinho é um duríssimo castigo.

_De que adianta falar de motivos, às vezes basta um só, às vezes nem juntando todos.

_O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas.

_Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

_Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.

_O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio.

_Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa.

_Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.

_Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.

_Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo.

_Há ocasiões que é mil vezes preferível fazer de menos que fazer de mais, entrega-se o assuntto ao governamento da sensibilidade, ela, melhor que a inteligência racional, saberá proceder segundo o que mais convenha à perfeição dos instantes seguintes.

_Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagine-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas.

_Com pesos dúvidos me sujeito à balança até hoje recusada de saber o que mais vale:
Se julgar, assistir ou ser julgado.
Ponho no prato raso quanto sou.

_Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida.

José Saramago
José Saramago

“Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Mário Quintana
Importuna e plácida…
Esta chuva que se esbate sobre mim.
Lava a alma, cala a sede
Que se vem entoando desde Abril.
Afigura-se como o sol da época,
Irradiando a imaculada fúria dos céus!
Exclama o azul profundo e tenebroso,
Que alegórico mas ditoso,
Impõe a melancolia de quem o julga assim…
A beleza esconde-se calada
À espera dos que a sabem descobrir.
Ver e tão-somente difícil
Que aqueles que a julgam pressentir
São atirados no tempo
Do tempo que meramente deixou de existir…

A chuva é fugaz e impessoal.
Mas quem não deseja ser assim?
Porque as angústias elevam-me à tristeza
E a tristeza dita agora parte de mim!
E olho em direcção deste vasto céu,
Procurando vislumbrar os mesmos sinais de ti.
E o medo apodera-se de mim
Porque sei que a chuva deixou de cair…

Dante
Mar de S. Pedro de Moel



.
Eu vou ao encontro do mar, irei!
Ouvindo de leve sua fresca canção
Por vielas de saudades, caminhos que nem sei!
Com beijos das lágrimas testemunhas da solidão

Vou rompendo o tempo, que mais há a romper?
Na aridez quase húmida do meu pensamento
Vou ao teu encontro, sem nada para oferecer
A não ser desgostos e o abraço do vento

Mar caminho para te encontrar!
Estou a ir...
Faz com que a tua melodia me incuta a sorrir...
Exige que ela me faça sonhar...

Se mais ninguém me deseja ouvir...

Estou sentado naquele banco de jardim
A pautar recordações, a meio da jornada
Ó mar! Lembras-te quando vinhas até mim?
Cortando desesperos, no auge da madrugada

Com ondas de incentivo ofegantes, remavas
Rumo ao meu efémero coração desconfiado
Tinhas razão, quando em meu peito choravas
Por saber que eu estava apaixonado...

Não continues transtornado, eu não vou desistir
De procurar o caminho, para beber tua calma
Eu vou! Vou... e estou a ir
Com o suspiro enorme da minha alma

Não penses que será a Primavera
A renunciar, uma opinião tão decidida
Quando te contava segredos, lembras-te como era?
Descansa mar...irás ficar com a minha vida

Com sorrisos, horas mortas, dias riscados
Irás ficar com a chuva dormente, enfim...
Mar! Continua a ser o desabafo dos enamorados
Como um dia foste para mim.

E vou ao encontro do mar, irei!
Por vielas de saudades, caminhos que nem sei...

José Correia
Tenho Tanto Sentimento




Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa
Reflexão...


Reflectir é pensar!

Reflexão!

É o que os dias de hoje
mais pedem.
É o que a situação actual
solicita com urgência.

Quando a dor se faz mais forte,
quando julgamos que
chegamos perto do fim do poço,
quando tudo parece emperrado,
complicado,
quando começamos acreditar
que todos estão contra nós,
é o momento de parar
e olhar para dentro de si mesmo,
encontrar a resposta
nessa visão,
no olho interior que
é a reflexão.

Reflectir é pensar,
ter tempo para questionar:

Por que eu faço isso
repetidas vezes?

Por que eu só me apaixono por
pessoas complicadas?

Por que não consigo
um emprego como eu desejo?

Por que vivo cheio
de dívidas se ganho
tão bem?

Por que os amigos
se afastam quando
mais preciso?

Por que minha família
é tão desunida?

Por que estou tão feliz,
ou triste assim?

É preciso coragem para
questionar a si mesmo!

Normalmente temos um conselho
pronto para os outros,
sabemos indicar caminhos,
rotas e direcções,
sempre para os outros?

Mas, por favor,
não confunda reflexão com
auto-acusação.

Reflectir não é se martirizar,
pois isso leva ao erro,
faz com que você assuma
o papel de vítima,
e nada é pior do que ser
?a eterna vítima?,
o ?coitadinho ou coitadinha de Jesus?.
?Só eu apanho.
Só eu sofro assim.
Nada dá certo para mim?.
Oh! dor, oh! dia,
oh! desgraça sem fim?

Reflexão não combina
com lamentação.
Reflexão é o uso da razão!
É assumir conflitos e buscar
uma solução.
Tentar mais de uma vez,
usar o perdão.

Recomeçar quantas vezes
forem necessárias,
sempre com um desejo:
acertar!

Virar o jogo,
deixar de ser pedra que fica,
para ser a pedra que rola,
aquele que se transforma.

Se tudo está cinza,
reflectir pode colorir
a sua história.
Paulo Roberto Gaefke
Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade
Poema
Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"