quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Morte de Ivan Ilitch - Tolstói


Saber que o homem é mortal é uma coisa. Dar-se conta da iminência da própria morte é outra muito diferente.

Trecho 1
“Eles jantam e dispersam-se, e Ivan Ilitch fica sozinho, com a consciência de que a sua vida está envenenada, que ela envenena a vida dos demais e que este veneno não se enfraquece, mas penetra cada vez mais todo o seu ser.
E era preciso ir para a cama com a consciência disso, acrescida de dor física e horror, e freqüentemente passar sem dormir a maior parte da noite, devido à dor. E de manhã, era preciso levantar-se de novo, vestir-se, ir para o tribunal, falar, escrever, ou então permanecer em casa, com as mesmas vinte e quatro horas de um dia, cada uma das quais era uma tortura. E sozinho tinha que viver assim à beira da perdição, sem nenhuma pessoa que o compreendesse e se apiedasse dele.”

Trecho 2
"Ele se sacudia, esforçava-se por voltar a si, conduzia a sessão de qualquer maneira até o fim e regressava para casa, com a triste consciência de que a sua função judiciária não podia mais, como outrora, esconder dele aquilo que ele queria esconder; que não podia livrar-se dela por meio da função judiciária. E o pior de tudo era que ela o atraía para si, não para que fizesse algo, mas unicamente para que a olhasse, bem nos olhos, olhasse-a e se atormentasse indescritivelmente, sem fazer nada.
E, procurando escapar a esta condição, Ivan Ilitch buscava consolo, procurava outros biombos, e estes apareciam e por algum tempo pareciam salvá-lo, mas imediatamente não é que desabassem de todo, mais propriamente tornavam-se transparentes, como se ela atravessasse tudo e nada pudesse encobri-la."

Trecho 3
"Ivan Ilitch via que estava morrendo, e o desespero não o largava mais. Sabia, no fundo da alma, que estava morrendo, mas não só não se acostumara a isso, como simplesmente não o compreendia, não podia de modo algum compreendê-lo.
O exemplo do silogismo que ele aprendera na Lógica de Kiesewetter: Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal, parecera-lhe, durante toda a sua vida, correto somente em relação a Caio, mas de modo algum em relação a ele. Tratava-se de Caio-homem, um homem em geral, e neste caso era absolutamente justo; mas ele não era Caio, não era um homem em geral, sempre fora um ser completa e absolutamente distinto dos demais; ele era Vânia¹, com mamãe, com papai, com Mítia e Volódia², com os brinquedos, o cocheiro, a babá, depois com Kátienka³, com todas as alegrias, tristezas e entusiasmos da infância, da juventude, da mocidade. Existiu porventura para Caio aquele cheiro da pequena bola de couro listada, de que Vânia gostara tanto?! Porventura Caio beijava daquela maneira a mão da mãe, acaso farfalhou para ele, daquela maneira, a seda das dobras do vestido da mãe? Fizera um dia tanto estardalhaço na Faculdade de Direito, por causa de uns pirojski?⁴ Estivera Caio assim apaixonado? E era capaz de conduzir assim um tribunal?
E Caio é realmente mortal, e está certo que ele morra, mas quanto a mim, Vânia, Ivan Ilitch, com todos os meus sentimentos e idéias, aí o caso é bem outro. E não pode ser que eu tenha de morrer. Seria demasiadamente terrível."

1. Diminutivo de Ivan.
2. Diminutivo de Dmítri e de Vladimir, respectivamente.
3. Diminutivo de Iecatierina (Catarina).
4. Espécie do bolinhos recheados.

TOLSTÓI, Lev. A morte de Ivan Ilitch

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