quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Trechos de "Werther", de Goethe

"Hoje não pude ir ver Carlota, uma visita inesperada me segurou em casa. Que havia de fazer? Mandei o meu criado ao encontro dela, só para ter junto de mim alguém que tivesse estado em sua presença. Com que impaciência o esperei, com que alegria tornei a vê-lo! Não tivesse vergonha e teria me atirado ao seu pescoço e coberto seu rosto de beijos.
Falam que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, absorve seus raios e reluz por algum tempo durante a noite. Dava-se o mesmo comigo e aquele rapaz. A lembrança de que os olhos de Carlota haviam pousado em seu rosto, em suas faces, nos botões de sua casaca e na gola de seu sobretudo, tornava-o tão querido, tão sagrado para mim! Naquele momento não daria aquele rapaz nem por mil táleres! Me sentia tão bem em sua presença...Deus te livre de rir disso, Guilherme! Serão sempre fantasmas os responsáveis por nos sentirmos bem?"
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"Ah, como vocês são sensatos! Paixão! Ebriedade! Loucura! Vocês, defensores da moral, tudo contemplam com tanta calma, tão indiferentes, vocês recriminam o bêbado, desprezam o louco (…) Eu me embriaguei mais de uma vez na vida, minhas paixões nunca estiveram distantes da loucura e não me arrependo. (…) É insuportável ouvir gritarem, quando alguém se comporta de maneira livre, nobre, inesperada:'Esse homem bebeu demais, está louco! Vocês, homens tão sóbrios e sábios deviam envergonhar-se!"
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"Ela não me vê, não sente que prepara um veneno que vai nos destruir ambos. E eu bebo com volúpa a taça em que ela me oferece a morte? Por que olha, tantas vezes, de um jeito tão bondoso? Nem sempre, mas enfim, às vezes. Por que essa complacênia com que aceita as expressões involuntárias dos meus sentimentos, e a compaixão pelo sofrimento que transparece em seu rosto?Ontem, ao sair, ela estendeu-me a mão dizendo: "Adeus, querido Werther!" Querido Werther! É a primeira vez que me chama assim, e a alegria que me senti penetrou-se até a medula dos ossos. Repeti a palavra centenas de vezes e, à noite, ao deitar-me, eu disse "boa noite, querido Werther!", e não pude deixar de rir de mim mesmo. "
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"Que a vida do ser humano não passe de um sonho, eis uma impressão que muitas pessoas já tiveram, e eu também vivo permanentemente com essa sensação. Quando observo as limitações que cerceiam as forças ativas e criadoras do homem, quando vejo como toda a atividade se resume em satisfazer as nossas necessidades, que, por sua vez, não visam outra coisa senão prolongar nossa pobre existência; quando percebo que todo apaziguamento em relação a determinados pontos de nossas buscas constitui apenas uma resignação ilusória, uma vez que adornamos com figuras coloridas e esperanças luminosas as paredes que nos aprisionam -- tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Volto-me para mim mesmo, e encontro todo um mundo dentro de mim! Novamente, vejo-o mais a partir de pressentimentos e de vagos desejos, muito mais do que nitidamente contornado e povoado de forças vivas. Tudo então passa a flutuar diante dos meus sentidos, e prossigo sorrindo e sonhando na minha jornada pelo mundo.
Todos os pedagogos eruditos são unânimes em afirmar que as crianças não sabem por que desejam determinada coisa; mas também os adultos, como as crianças, andam ao acaso pela terra, e, tanto quanto elas, ignoram de onde vêm ou para onde vão; como elas, agem sem propósito determinado e, igualmente, são governados por biscoitos, bolos e varas de marmelo: eis uma verdade em que ninguém quer acreditar, embora ela seja óbvia, no meu entender.
Concordo -- pois já sei o que me vais responder -- que os mais felizes são aqueles que, como as crianças, vivem a esmo dia após dia, carregando suas bonecas, vestindo e despindo-as, rondando respeitosos a gaveta onde a mãe guardou o pão doce, e gritando, com a boca cheia, quando finalmente conseguem o que cobiçavam: "Quero mais!" Estes são felizes. Também são ditosos aqueles que dão títulos pomposos às suas míseras ocupações ou até mesmo às suas paixões, alegando que se trata de empreendimentos gigantescos, destinados à salvação e ao bem-estar da humanidade. Bem-aventurado aquele que consegue ser assim! Mas aquele que humildemente percebe a que leva tudo isso, vendo como o cidadão, quando satisfeito, transforma o seu pequeno jardim num paraíso, como, por outro lado, até mesmo o deserdado da fortuna carrega corajosamente o fardo e segue o seu caminho, e como todos, afinal, desejam igualmente enxergar a luz do sol por um minuto mais -- quem observa a tudo isso recolhe-se no silêncio, molda o seu mundo à semelhança de seu próprio íntimo, e também é feliz porque é um ser humano. E então, por mais limitado que seja, guarda sempre no coração a doce sensação da liberdade, sabendo que poderá livrar-se do cárcere quando quiser. "

Um comentário:

alessandra disse...

a primeira parte é minha preferida. genial, estrondoso, magnifico.
estive procurando esta parte na internet para colocar no meu blog e nao ter que digitar de novo. obrigada.