quinta-feira, 19 de novembro de 2009


De que é composto um intelectualóide

Cultura se compra. A inteligência, que nada mais é que a sensibilidade vestida com o humanismo, não se adquire no mercado. Possuindo dinheiro, qualquer pessoa pode compor uma biblioteca de clássicos da arte universal. Com duas horas diárias debruçado nos livros a decorar epígrafes dos gênios, a repetir para o espelho gestos calculados, está pronto um intelectualóide. Em três meses, ao passar na rua, comadres mumificadas que levantam a bandeira da "cultura para todos" - almejando, intimamente, a projeção de suas figuras - dirão: Lá se vai um homem inteligente!

É fácil reconhecer um intelectualóide. Em geral, eles são extremamente vaidosos. Os melhores livros são os que leram (à superfície, quando não apenas, as ore-lhas das publicações), os melhores filmes os que assistiram,os melhores compositores os que apreciam. Para defender seus parcos conhecimentos e a teoria que dispõem, são capazes de qualquer coisa.

Recentemente, num conhecido bar da cidade (intelectualóides são boêmios, porque copiam, no mais das vezes, a geração dos poetas românticos), contemplei uma discussão acalorada de duas espécimes desta linhagem. Entre citações de Balzac e Proust (um preferia este, o outro aquele), quase se estapea-ram. Até que o balzaquiano tomado de ira, deixou o recinto.
Intelectualóides, quando se aventuram nos subterrâneos da criação artística, frustram-se.

Quase sempre, suas obras ou não são compreendidas, ou são compreendidas demais. No primeiro caso, alegam com seus floreios e arrogância usuais, que o "populacho" ainda não está apto a receber seu grande talento. No segundo, disparam o clichê "o sentido da arte deve ser captado democraticamente", como se o público só pudesse entender o que é óbvio e ruim.

Os pseudo-intelectuais seriam até engraçados, não fosse a misantropia de que são portadores. Quando se olham ao espelho, na sua vã ilusão, enxergam gênios renascentistas. Assim, isolam-se do coletivo, pairando soberanos sobre a grande massa, a que denominam inculta. São incapazes de ver a si mesmos, nos outros. As interpretações errôneas a que subjugaram a pobre e indefesa Musa, expurgaram a sua compaixão e solidariedade.

A advertência está feita, caro leitor. Se por acaso deparar-se com uma máquina ambulante de repetição de epígrafes, fuja, sem demora, fuja! Sob pena de ser alcunhado de asno por desconhecer a métrica de Camões.

By Carlos Araújo

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